Proposta da Vale reacende a discussão sobre a (im)possibilidade de voto contrário em eleição de conselho de administração

Recentemente, a administração da Vale S.A., em processo de reforma de seu estatuto social, propôs a seus acionistas uma inovação para a eleição dos membros do conselho de administração da companhia: a adoção de sistema que permitiria o voto negativo ou contrário à eleição de um determinado candidato, de modo que candidatos que recebessem mais votos contrários do que favoráveis seriam automaticamente desclassificados.

Instada a se manifestar sobre a proposta após consulta formulada por conselheiro dissidente (embora a proposta tenha sido aprovada pela maioria do conselho da Vale, dois membros independentes foram contrários), a Superintendência de Relações com Empresas da CVM (“SEP”) concluiu que a proposta da Vale seria incompatível com o que preveem a Lei das S.A. e a regulamentação da CVM sobre o assunto. Em seguida, embora ainda defendendo a validade da estrutura proposta, a própria administração da Vale decidiu excluir tal previsão da ordem do dia da assembleia geral que deliberaria a alteração do estatuto social da companhia[1].

Sem prejuízo, o assunto rendeu rica discussão entre defensores e críticos da inovação.

Seus apoiadores entendem que a medida seria um avanço relevante em comparação com a sistemática tradicionalmente adotada pela maioria das companhias abertas no Brasil, que é a eleição por chapas: nesse sistema, via de regra, a administração e eventuais acionistas interessados propõem chapas completas para consideração da assembleia geral, e todos os membros da chapa que recebe mais votos favoráveis são empossados. Já o sistema proposto pela Vale permitiria aos acionistas votar, individualmente, pela aprovação ou rejeição de cada candidato, de forma individual, sem necessidade de alinhamento com a totalidade da chapa – ou seja, evitando a situação em que, por julgar um ou mais membros da chapa inadequados ao cargo, o acionista precisa rejeitar a totalidade dos indicados, mesmo os membros que considera aptos.

Ao concluir pela inadequação da proposta, a SEP reiterou posição já manifestada em situação análoga[2], de que não haveria possibilidade de cômputo de votos contrários na eleição de administradores (i.e., ainda que o acionista possa votar em qualquer sentido, o voto contrário deveria ser considerado nulo pela mesa da assembleia). E isso por entender que, nesses casos, a intenção da assembleia geral é entender qual dos candidatos indicados ao cargo será eleito para a vaga em aberto, tal qual acontece no sistema eleitoral amplo, para cargos no executivo e no legislativo, por exemplo, em que a rejeição a determinado candidato pode ser manifestada pelo voto em outro candidato ou pela abstenção, mas não pelo voto negativo.

Adicionalmente, a SEP mostrou preocupação com o fato de que a proposta da Vale, na prática, desmembraria o processo de eleição dos conselheiros de administração em duas etapas: na primeira etapa, identificar-se-iam os candidatos elegíveis à vaga (i.e., aqueles com votação favorável maior que a votação contrária); na segunda etapa, os candidatos elegíveis seriam, de fato, eleitos, com base naqueles que tenham recebido maior quantidade de votos favoráveis entre os elegíveis, mas não entre a totalidade dos candidatos que receberam votos na assembleia geral.

Na visão da SEP, o cômputo dos votos contrários e a “desqualificação” de um candidato que tenha recebido mais votos contrários do que favoráveis configuraria cerceamento do direito de voto do acionista. Cenários hipotéticos que resultariam de tal sistema (e.g., a eleição de candidato que não tenha obtido a maioria absoluta dos votos favoráveis, ou mesmo daquele que tenha obtido votação favorável inferior a outro candidato, na hipótese em que tal outro candidato tenha recebido quantidade superior de votos contrários), também seriam, para a SEP, incompatíveis com as disposições da Lei das S.A.

Infelizmente para os debatedores, a questão não chegou a ser apreciada pelo Colegiado da CVM, órgão máximo da autarquia, já que a Vale optou por remover o item da ordem do dia da assembleia geral; o mesmo aconteceu no caso da Usiminas citado acima (embora as partes tenham recorrido da decisão da SEP naquela ocasião, desistiram do recurso antes de sua discussão pelo Colegiado). Só podemos imaginar, dada a franca expansão do mercado de capitais brasileiro e a constante adoção de práticas inovadoras pelas empresas locais (inclusive em razão da importação de precedentes internacionais), que debates como esses tornar-se-ão cada vez mais frequentes no dia a dia do nosso direito societário, sem dúvidas enriquecendo a prática local.

 

[1] http://www.vale.com/PT/investors/information-market/Press-Releases/ReleaseDocuments/0302_Aviso_AGE_CVM_item8_p_com_anexo.pdf

[2] Processo Administrativo CVM nº RJ2015/2925, envolvendo uma específica assembleia geral da Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais S.A. – Usiminas.

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