Por empate de votos, colegiado da CVM absolve conselheiros da Gerdau de acusação de descumprimento de dever de diligência

Em reunião realizada no último dia 3 de dezembro, o colegiado da Comissão de Valores Mobiliários analisou processo administrativo sancionador[1] em face de membros do conselho de administração da Gerdau S.A. (“Gerdau”), por alegada infração ao seu dever de diligência, no contexto de aquisição, pela companhia, de participações minoritárias em sociedades por ela controladas. Ao final da deliberação, o colegiado da CVM absolveu os conselheiros por empate de votos, hipótese na qual prevalece a posição mais favorável à parte acusada.

Conforme relatório da Diretora Relatora Flávia Perlingeiro:

(a) em julho de 2015, o conselho de administração da Gerdau (composto, à época, por três conselheiros vinculados aos controladores da companhia e três conselheiros sem vínculos), aprovou, por unanimidade, aquisições de participações minoritárias em sociedades já controladas pela companhia;

(b) tais participações eram detidas pela ArcelorMittal Netherlands BV (“Arcelor”) e pelo Itaú Unibanco S.A. (“Itaú”), e as respectivas aquisições observaram termos e condições distintos, dentre os quais destacamos: (1) o valor de aquisição das ações detidas pela Arcelor foi de aproximadamente R$ 295 milhões, sendo cerca de R$ 90 milhões pagos à vista e o restante mediante transferência de 30 milhões de ações preferenciais de emissão da Gerdau, e (2) o valor de aquisição das ações detidas pelo Itaú foi de aproximadamente R$ 1,7 bilhão, sendo cerca de R$ 250 milhões pagos à vista, R$ 640 milhões pagos em parcelas com vencimento previsto entre 2016 e 2022, e os R$ 800 milhões remanescentes mediante permuta de uma cota detida pela Gerdau em um FIDC cuja carteira detinha direitos creditórios de sua titularidade; e

(c) considerando as diferentes quantidades de ações adquiridas em face de cada contraparte, a Superintendência de Relações com Empresas da CVM (“SEP”) concluiu que a Gerdau pagou ao Itaú preço por ação mais de três vezes superior àquele pago à Arcelor, o que indicaria um “sobrepreço” – sendo que tal múltiplo foi amplamente questionado pela defesa dos acusados, que alegaram que a SEP deixou de considerar as particularidades de cada aquisição em seu cálculo.

Outro elemento essencial para a análise do caso é que, em maio de 2005 (e, portanto, mais de dez anos antes das aquisições acima), no âmbito de uma operação de financiamento, o Itaú havia subscrito participação societária em sociedade controladora da Gerdau, sendo que tal participação, por meio de reorganizações societárias implementadas ao longo dos anos, transformou-se justamente nas ações objeto da aquisição descrita acima. No âmbito de tal financiamento, a INDAC – Indústria Administração e Comércio Ltda. (“INDAC”), controladora indireta da Gerdau, outorgou opção de venda em favor do Itaú, comprometendo-se a adquirir as ações de titularidade do banco na hipótese de exercício da opção, com garantia da Metalúrgica Gerdau S.A. (“Metalúrgica”), controladora direta da Gerdau (“Opção de Venda”). Após sucessivas prorrogações, a data de exercício da Opção de Venda foi fixada em 7 de agosto de 2015 (cerca de um mês após a aprovação das aquisições)  e seu preço de exercício atualizado somava cerca de R$ 1,7 bilhão – aproximadamente o mesmo preço pago pela Gerdau ao Itaú no âmbito da aquisição.

Nesse contexto, em razão do “sobrepreço” pago pela Gerdau ao Itaú e da existência da Opção de Venda em face das controladoras da companhia (com data e preço de exercício similares aos da aquisição), a SEP entendeu que a aquisição das ações detidas pelo Itaú teria sido idealizada e implementada em benefício das controladoras da Gerdau, em detrimento do interesse da companhia e de seus demais acionistas – afinal, com a efetivação da aquisição pela Gerdau, a INDAC e a Metalúrgica efetivamente desobrigaram-se de pagar qualquer montante ao Itaú, em razão do natural esvaziamento da Opção de Venda.

Aí residiria, na intepretação da SEP, a infração ao dever de diligência imputado aos membros do conselho de administração da Gerdau, consubstanciado no artigo 154 da Lei das S.A. Ainda em relação à atuação dos conselheiros, a SEP alegou que teriam agido em descumprimento do artigo 245 da Lei das S.A. (favorecimento indevido de sociedade controladora, em prejuízo da companhia), e, especificamente no caso dos três conselheiros vinculados aos controladores da Gerdau, em descumprimento do artigo 156 das Lei das S.A. (conflito de interesses de administrador) – com relação a ambas essas alegações, todos os conselheiros foram absolvidos, de forma unânime.

Inicialmente, é importante destacar que não houve qualquer alegação de descumprimento das disposições do artigo 153 da Lei das S.A., que também dispõe sobre o dever de diligência de administradores. Conforme voto da Diretora Relatora Flávia Perlingeiro: “[n]ão obstante haver certa complementaridade entre o art. 153 e o art. 154 da LSA, o primeiro trata do ‘modo’ e o segundo trata da ‘finalidade’, trazendo à baila enfoques distintos (…) Não se cuida aqui de exame de falha procedimental por falta de diligência (art. 153), mas sim de acusação de desvio de poder (art. 154)”.

No entanto, mesmo entendendo que o processo de deliberação dos conselheiros não apresentou falhas procedimentais e que a aquisição estava alinhada com a estratégia empresarial historicamente adotada pela Gerdau, a Diretora Relatora votou pela condenação dos conselheiros, afirmando que a existência do “sobrepreço” e da Opção de Venda conduziram-na “à constatação de que o preço (…) não se mostrava economicamente justificável sob a perspectiva da compradora” e “ao reconhecimento de que prevaleceu, na aprovação pelos Conselheiros, o interesse de acomodar, em condições de pagamento viáveis para a Companhia, a operação de saída do investimento a que o Itaú tinha direito”.

No mesmo sentido, o Presidente da CVM, Marcelo Barbosa, também votou pela condenação, destacando que, “a despeito da regularidade formal do processo decisório, que permite a presunção de que, a princípio, não estavam imbuídos de interesses outros que não os da Companhia”, o descolamento de preço entre as aquisições, ainda que consideradas as condições específicas de cada operação, indicaria que o interesse preponderante para a realização da aquisição teria sido, de fato, o interesse dos controladores da Gerdau de desobrigarem-se da obrigação assumida na Opção de Venda.

Votando pela absolvição, o Diretor Carlos Rebello entendeu que a defesa conseguiu demonstrar tanto o alinhamento das aquisições à estratégia de longo prazo da Gerdau, quanto a higidez do processo decisório do conselho de administração, razão pela qual “impõe-se a reunião de conjunto probatório ainda mais robusto para afastar a presunção de que tais administradores agiram de boa fé e no interesse da Companhia”, de acordo com o padrão da “business judgment rule”. Segundo esse padrão, afirmou o Diretor, a avaliação das condições de contratação deveria “ser pautada por um juízo de racionalidade – e não de razoabilidade –, de modo a verificar se os fundamentos expostos pelos administradores para a decisão tomada conseguem justificar, racionalmente, as condições pactuadas”.

Em outras palavras, se demonstrada a existência de racional econômico alinhado com o interesse da companhia, o que o Diretor entendeu ter sido o caso, não caberia à CVM revisar a decisão negocial e impor qualquer responsabilidade aos conselheiros envolvidos, sob o risco, inclusive, de desestimular ou desincentivar a atuação de pessoas competentes como administradores de companhias.

Da mesma forma, o Diretor Henrique Machado acompanhou o Diretor Carlos Rebello e votou pela absolvição, argumentando que, uma vez que os conselheiros foram absolvidos das acusações de terem deliberado com desvio de interesse ou com interesse conflitante com o da Gerdau, remanesceria “controvérsia exclusivamente quanto ao erro ou ao acerto da decisão negocial”. O Diretor também entendeu que deveria ser adotado o padrão da “business judgment rule” na avaliação das decisões da administração – i.e., tais decisões gozariam da presunção de que foram tomadas de boa-fé, em busca do melhor interesse social da companhia, presunção essa que afastaria a discussão sobre destacamento ou não do “sobrepreço”.

Mais informações podem ser acessadas no site da CVM, no seguinte endereço: http://www.cvm.gov.br/noticias/arquivos/2019/20191203-2.html#PAS_CVM_RJ2016_5733_SEI_19957_004309_2016_73_

[1]               Processo Administrativo Sancionador RJ2016/5733 (SEI nº 19957.004309/2016-73).

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