OPA por aumento de participação e conceito de pessoa vinculada segundo a CVM

No dia 20 de março de 2025, a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) determinou, por meio do Ofício nº 48/2025/CVM/SER/GER-1, a realização, por parte de uma gestora de recursos, de oferta pública de aquisição de ações (“OPA”) por aumento de participação, após fundos por ela geridos terem realizado uma sequência de aquisições de ações de emissão Ambipar Participações e Empreendimentos S.A. (“Ambipar”), entre julho e agosto de 2024. O caso ganhou grande relevância, visto que se trata de uma decisão bastante rara na jurisprudência da CVM.

Atualmente, as OPAs são disciplinadas pela Resolução CVM n° 85, de 31 de março de 2022 (“RCVM 85”), mas, a partir de 1º de julho de 2025, entrará em vigor a Resolução CVM n° 215, de 29 de outubro de 2024 (“RCVM 215”), que revogará e substituirá inteiramente a RCVM 85, trazendo importantes atualizações para o regramento da matéria.

A OPA é definida como “a oferta pública efetuada fora de mercados organizados de valores mobiliários, que vise à aquisição de ações de emissão de companhia aberta, qualquer que seja a quantidade de ações visada pelo ofertante” (RCVM 215, art. 2°, IX). As OPAs devem ser sempre dirigidas indistintamente a todos os titulares das ações da espécie e classe visada pelo ofertante, de modo que se garanta o tratamento equitativo aos destinatários.

Algumas modalidades de OPA são obrigatórias, ou seja, se e quando verificadas as condições previstas na norma, o ofertante terá o dever de realizar a oferta, independentemente de sua vontade ou conveniência. São obrigatórias: (i) a OPA para cancelamento de registro para negociação de ações nos mercados regulamentados de valores mobiliários; (ii) a OPA por alienação de controle, exigida como condição de eficácia de negócio jurídico de alienação de controle da companhia; e (iii) a OPA por aumento de participação, realizada em consequência de aumento de participação do acionista controlador no capital social da companhia, que pode causar excessiva redução da liquidez das ações remanescentes.

Quanto a esta última modalidade, nos termos da RCVM 85, a OPA por aumento de participação deve ser realizada sempre que o acionista controlador, pessoa a ele vinculada, e outras pessoas atuando em conjunto com o acionista controlador ou pessoa a ele vinculada, adquira, por outro meio que não uma OPA, ações representativas de mais de um terço do total das ações de cada espécie e classe em circulação (RCVM 85, art. 30). Os marcos temporais e os fatores para o cálculo do patamar de um terço constantes da RCVM 85 são notavelmente complexos e já ensejaram muitas discussões e perplexidades na CVM e no mercado.

A RCVM 215 prevê que o novo gatilho para a realização da OPA por aumento de participação será qualquer aquisição de ações em circulação pelo acionista controlador ou pessoa a ele vinculada que leve a uma redução do total de ações em circulação de uma mesma espécie e classe a patamar inferior a 15% (RCVM 215, art. 42). Apesar da mudança, a ratio da OPA por aumento de participação permaneceu a mesma, ou seja, a proteção a um nível adequado de ações em circulação, mantendo a liquidez mínima dos valores mobiliários. As principais vantagens do novo critério são a simplicidade e a objetividade do cálculo.

Em ambos os casos, é importante ressaltar que as aquisições que desencadeiam a obrigação de OPA por aumento de participação podem ser feitas tanto pelo acionista controlador quanto por “pessoa vinculada”, entendida como a pessoa natural ou jurídica, fundo ou universalidade de direitos que atue representando o mesmo interesse de outra pessoa, natural ou jurídica, fundo ou universalidade de direitos.

Na vigência da RCVM 85, presume-se que age no mesmo interesse de outra pessoa quem (i) seja por ela controlado ou esteja com ela submetido a controle comum; ou (ii) tenha adquirido, ainda que sob condição suspensiva, o seu controle ou da companhia objeto, ou fosse promitente comprador ou detentor de opção de compra do controle acionário da companhia objeto, ou intermediário em negócio de transferência daquele controle.

Com a RCVM 215, acrescenta-se à lista de pessoas que, presumivelmente, atuam no mesmo interesse: (i) o cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou colateral até o 2º grau; (ii) o gestor de recursos em relação aos fundos de investimento por ele geridos nos quais exerça administração discricionária da carteira; e (iii) o inventariante, administrador judicial ou equivalente, em relação à universalidade de direitos.

É importante frisar que estas são apenas “presunções simples”. Ou seja, não são determinantes de modo absoluto em cada caso concreto, mas simplesmente criam inversões do ônus da prova e orientam a avaliação da CVM. Um parente de 2º grau poderá demonstrar, por exemplo, que, na realidade, não tem vínculo próximo com o acionista controlador (pode, por exemplo, até mesmo haver litígio entre eles). Por outro lado, a CVM pode concluir que existe a caracterização de representação do mesmo interesse e, portanto, enquadramento como “pessoa vinculada”, em cenários que não estejam expressamente incluídos na referida lista de presunções.

No caso da Ambipar, por exemplo, após investigação preliminar e colheita de provas indiciárias, tais como o momento em que as operações ocorreram, outras aquisições e alienações de ações de emissão da Ambipar e os beneficiários finais dos fundos que participaram de tais negociações, a área técnica da CVM concluiu que a gestora dos fundos que compraram ações teria atuado em conjunto com o controlador da Ambipar, com alinhamento deliberado de interesses. Assim, considerando a alegada atuação conjunta de ambos os sujeitos, as operações teriam ultrapassado o limite de um terço das ações em circulação previsto na RCVM 85, o que tornaria obrigatória a realização da OPA.

O que chama a atenção neste caso é justamente o fato de que a CVM reconheceu o vínculo com base em uma investigação que extrapolou as meras presunções simples contidas na RCVM 85 e abrangeu uma análise concreta das operações realizadas e das possíveis relações entre os agentes de mercado, a fim de identificar o suposto vínculo.

Conforme comunicado ao mercado publicado pela Ambipar, em 7 de maio de 2025, após apresentação de recurso para o Colegiado da CVM, o prazo inicial para a realização da OPA encontra-se suspenso até a decisão final da Autarquia sobre a matéria.

Ir ao Topo