O regime de distribuição de dividendos nas sociedades anônimas e algumas relevantes discussões no tema

É direito essencial do acionista receber parte dos resultados que a sociedade anônima obtém em razão do desenvolvimento de sua atividade. Assim, uma vez findo o exercício social e aprovadas as contas em assembleia geral ordinária (sobre as possíveis implicações jurídicas e práticas da aprovação ou reprovação das contas em assembleia geral ordinária, conferir edição do mês de janeiro do PVG+), surge para os acionistas uma expectativa de recebimento de dividendos atrelada ao resultado apurado pela companhia.

O cálculo e a distribuição de dividendos, porém, não podem ser feitos de forma indiscriminada; devem, antes, obedecer a uma série de procedimentos e limites, impostos pela legislação societária com o objetivo de tutelar o interesse de todos aqueles afetados pela companhia, tanto diretamente, como acionistas e administradores, quanto indiretamente, os chamados stakeholders (empregados, o Fisco, fornecedores, clientes, etc.). Grande parte da complexidade que envolve o tema reside nestas regras.

Uma vez obtido lucro em determinado exercício, antes de qualquer dividendo a ser partilhado, do resultado devem ser deduzidos os prejuízos acumulados e a provisão para o imposto de renda (artigo 189 da Lei das S.A.). Resultando um valor positivo desse cômputo, deduzem-se eventuais participações dos empregados, administradores e partes beneficiárias (valor mobiliário, estranho ao capital social, que assegura ao seu portador participação no lucro da companhia), nesta ordem, até que, ao cabo, fique configurado o lucro líquido da companhia (artigos 190 e 191 da Lei das S.A.).

Mas ainda que haja lucro líquido, pressuposto necessário para a distribuição de dividendo, aquele não se confunde com esse. Isso porque o lucro, uma vez apurado, pode estar sujeito a uma série de ajustes legais e estatutários, as chamadas reservas, cuja finalidade consiste em segregar recursos – originados dos próprios acionistas ou dos resultados gerados pela companhia – para vinculação a objetivos específicos, como realização de determinado investimento ou proteção contra uma eventual contingência. Somente quando feitas as distribuições aplicáveis, conforme prescritas em lei e estatuto, e desde que haja lucro remanescente a ser distribuído, é que se poderá falar, então, em materialização do direito ao dividendo.

Os dividendos podem ser classificados em prioritário e obrigatório. O prioritário ainda se desdobra em dividendos fixos ou mínimos.

O dividendo prioritário é aquele distribuído aos acionistas detentores de ações preferenciais, os quais geralmente não dispõem de direito de voto, mas, em contrapartida, possuem prioridade no recebimento de dividendos em relação aos acionistas ordinaristas. O dividendo fixo garante o recebimento de quantia fixa e determinada, sem dar direito a participar de eventual lucro remanescente; ou seja, não autoriza o recebimento de valores complementares na hipótese de o lucro apurado em determinado exercício for acima do esperado. Já o dividendo mínimo assegura um piso de valor a ser pago e, ao contrário do dividendo fixo, possibilita o rateio do saldo remanescente de lucro, caso haja.

O regime jurídico do dividendo prioritário permite também a cumulatividade de seu pagamento, que se traduz na possibilidade de o dividendo não pago em um exercício – total ou parcialmente – continuar a sendo devido no exercício seguinte, até o pagamento do total acumulado.

Além disso, cumulativo ou não, o dividendo prioritário, quando não distribuído por três exercícios consecutivos, faz nascer aos acionistas preferencialistas o exercício do direito de voto (§§’s 1º e 2º do artigo 111 da Lei das S.A.).

O dividendo obrigatório é calculado em caráter subsidiário em relação aos dividendos prioritários, isto é, somente após apurado e pago o dividendo prioritário, havendo ainda lucro a distribuir, é que se apura o dividendo obrigatório.

O percentual do lucro líquido a ser designado para o dividendo obrigatório deve ser fixado no estatuto, ou, em caso de omissão, aplica-se o limite mínimo legal, de 50%.

Convém registrar que a lei não impõe qualquer limite mínimo aos dividendos obrigatórios, quando regulados em estatuto. Assim, trata-se de infundada (e comum) crença, baseada em uma interpretação equivocada do art. 202, §2º da Lei das S.A., de que o limite mínimo legal para o cálculo dos dividendos obrigatórios seria de 25%. Contudo, a verdadeira finalidade de tal dispositivo consiste em coibir eventuais abusos em situações em que não haja regra estatutariamente prevista sobre distribuição de lucros. Assim, uma vez criada tal disposição no estatuto, não poderá ser estabelecido valor inferior a 25% do lucro líquido para a distribuição de dividendos naquele período, evitando-se com isso que acionistas sejam prejudicados pela redução drástica e repentina da política de remuneração da companhia, de um exercício social para outro.

Embora o procedimento de apuração e distribuição de dividendos usualmente aconteça ao término do exercício social da companhia, em assembleia geral ordinária, a lei societária faculta à administração da companhia a possibilidade de remunerar seus acionistas em períodos menores, por meio dos dividendos intercalares ou intermediários.

Os dividendos intercalares são aqueles pagos à conta de lucros do exercício em curso, em períodos semestrais ou inferiores. Sua distribuição tem como requisitos, além do limite do montante das reservas de capital, a obrigatoriedade de levantamento de balanço ou balancete que demonstre a existência de lucros no exercício; previsão no estatuto para que balanços ou balancetes possam ser levantados e para que órgãos da administração possam declará-los e distribuí-los. A limitação ao pagamento até o limite das reservas de capital serve a garantir a integridade do capital social da companhia ao final do exercício, na hipótese de haver, nos meses posteriores, geração de prejuízos e anulação dos lucros gerados no período anterior.

Já os dividendos intermediários são pagos em um exercício por conta de lucros acumulados no exercício anterior, portanto, que já passaram pela deliberação em assembleia geral, sendo que também necessitam de previsão expressa no estatuto para sua distribuição.

Ainda, uma outra peculiaridade dos dividendos intermediários reside na possibilidade de serem distribuídos à conta das reservas de lucros existentes no último balanço anual ou semestral (§2º do artigo 204 da Lei das S.A.). Ou seja, mesmo que a companhia tenha apresentado prejuízo corrente, pode acontecer a partilha dos dividendos apurados em balanço anterior.

Qualquer seja a natureza do dividendo, ele deve ser pago ao acionista dentro do mesmo exercício no qual foi declarado. Na hipótese de não fixação de prazo pela assembleia geral, a distribuição deve acontecer em até 60 dias a contar da data da declaração (§3º do artigo 205 da Lei das S.A.).

O acionista que não receber sua parcela no prazo previsto pode ajuizar ação de cobrança contra a companhia, requerendo o recebimento dos dividendos devidos. Ele deverá fazê-lo no prazo de até três anos contados da aprovação da distribuição dos dividendos em assembleia. Decorrido o prazo prescricional, os dividendos voltarão a pertencer à sociedade.

Administradores e acionistas podem ser responsabilizados pela inobservância das regras societárias relativas à apuração e distribuição de dividendos (§§’s 1º e 2º do artigo 201 da Lei das S.A.). Os administradores que distribuírem dividendos à custa de outros montantes que não o lucro líquido ou as reservas aplicáveis, podem, em caráter solidário, responder civilmente e ser condenados à restituição das quantias irregularmente atribuídas à companhia. É cabível, também, ação penal (artigo 117, §1º do Código Penal) e administrativa, caso se trate de companhia aberta (artigo 11 da Lei 6.385/76).

A lei presume a má-fé dos acionistas que receberem dividendos sem o levantamento do balanço ou em desacordo com os resultados desse, podendo também serem obrigados a restituir a quantia recebida. Referidas ações de responsabilidade prescrevem em três anos e podem ser ajuizadas pela companhia, pelos demais acionistas e até por terceiros prejudicados, como eventuais credores, conforme aponta a doutrina.

 

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