O processo de flexibilização das regras de publicações obrigatórias de sociedades no Brasil

Como é de conhecimento dos profissionais que lidam com o direito societário, é regra no Brasil exigir que sociedades publiquem determinados atos em jornais de grande circulação para que se presuma a ciência quanto a esses atos e assim se tornem eficazes também perante todos, exigindo-se também que comprovantes dessas publicações sejam arquivados na Junta Comercial competente logo em seguida.

Historicamente, dada sua maior complexidade, as exigências de publicação sempre foram maiores para as sociedades por ações, cujas publicações sempre foram exigidas de modo que ocorressem no Diário Oficial e em jornal de grande circulação, conforme o local da sede da companhia, desde a versão original da Lei das Sociedades por Ações (Lei no. 6.404, de 15 de setembro de 1976). Essencialmente, todas as atas de assembleia geral, as demonstrações financeiras anuais, e outros documentos que tivessem de produzir efeitos perante terceiros, tinham de ser publicados conforme esse rito.

Já para sociedades limitadas, desde a entrada em vigor da atual versão do Código Civil em 2003 (Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002), as publicações foram exigidas seguindo o mesmo rito das sociedades por ações, mas de maneira mais pontual, para eventos excepcionais, tais como atos de cisão, fusão, incorporação e redução de capital, sem necessidade de publicar demonstrações financeiras anualmente, tampouco atos de natureza mais cotidiana, mesmo que destinados a produzir efeitos perante terceiros (bastando nestes casos o registro na respectiva Junta Comercial).

Naturalmente, com o passar do tempo, a legislação local passou a se atualizar às demandas da sociedade e da agilidade da tecnologia. Com o movimento de crescimento de investimento em startups, com tamanhos menores e maior necessidade de flexibilidade em seus estágios probatórios iniciais, também houve uma natural adaptação da legislação a essa demanda.

Assim, dado que nestes últimos meses houve novos pequenos avanços no sentido acima delineado, resumimos aqui, de modo panorâmico, o atual estágio deste tipo de publicação para sociedades empresárias brasileiras, inclusive por sabermos que muitas vezes os custos de publicação também são levados em conta para se escolher o tipo jurídico societário quando da abertura de uma sociedade no Brasil.

No que diz respeito às sociedades por ações, a principal mudança introduzida foi em 2019, para entrada em vigor em 2022: a extinção da obrigação de publicações deste tipo de sociedade serem realizadas em Diário Oficial, passando as publicações a ser obrigatórias somente em jornal de grande circulação[1].

Adicionalmente, em 2021, com o Marco Legal das Startups (Lei Complementar no. 182, de 1º de junho de 2021)[2], criou-se ainda uma exceção de flexibilização em relação à nova regra geral, permitindo que companhias fechadas com receita bruta anual de até R$ 78 milhões realizem suas publicações apenas de forma eletrônica, por meio da Central de Balanços – CB do Sistema Público de Escrituração Digital (SPED), conforme veio a ser regulamentado e implementado pelo Departamento Nacional de Registro Empresarial e Integração (DREI) e as Juntas Comerciais estaduais ao longo de 2002.

Naturalmente, companhias abertas, ao estarem sujeitas às normas da Comissão de Valores Mobiliários, ainda estão também sujeitas a instruções específicas que esta lhes venha a dar por meio de seus normativos[3]. Mais recentemente, em 1º de setembro de 2022, conforme autorizada pelo Marco Legal das Startups, a CVM editou a Resolução n° 166, facultando às companhias abertas de menor porte (receita bruta anual até R$ 500 milhões) a realizarem suas publicações obrigatórias por lei por meio dos sistemas eletrônicos disponibilizados pela própria CVM (Empresas.NET e Fundos.NET).

No que diz respeito a sociedades limitadas, que costumam ter menos exigências quanto a atos a publicar, nada efetivamente mudou[4]. O que pode ser objeto inclusive de crítica, porque, aparentemente, todas as facilidades introduzidas para as sociedades por ações não são diretamente aplicáveis às sociedades limitadas, tais como a dispensa de publicação em órgão oficial do Estado ou da União[5], ou a publicação por meio do SPED, destinada apenas a “companhias” de pequeno porte. Veremos se o argumento de uma sociedade limitada escolher a Lei das S.A. como de regência supletiva ao seu regramento no contrato social (conforme faculta o Código Civil) será suficiente para fazer que essas facilidades lhe sejam disponíveis, e como isso na prática ao longo dos meses será aplicado pelas Juntas Comerciais.

Vale, no entanto, mencionar a controvérsia que houve nos últimos anos sobre se uma sociedade limitada de grande porte (ativo total superior a R$ 240 milhões ou receita bruta anual superior a R$ 300 milhões), segundo a Lei 11.638, de 28 de dezembro de 2007, deveria publicar suas demonstrações financeiras anualmente. Mencionada lei obriga que sociedades limitadas de grande porte sigam os mesmos regramentos apenas de escrituração e elaboração de demonstrações financeiras de uma sociedade por ações, mas as Juntas Comerciais vieram ao longo dos anos interpretando a lei erroneamente e tentando estender essa obrigatoriedade também para as publicações.

Referida imposição ficou suspensa em uma longa discussão judicial por muitos anos, e, ao que tudo indica, foi pacificada por meio do Ofício Circular SEI n° 4742, de 25 de novembro de 2022, do DREI, dando instruções expressas às Juntas Comerciais para que nenhuma exigência nesse sentido seja feita, considerando recente decisão judicial do Tribunal Regional Federal da 3ª Região em processo movido pela Associação Brasileira de Imprensas Oficiais – ABIO.

Haja vista todo o acima descrito, não resta dúvida de que o processo de flexibilização é extremamente bem-vindo, mesmo que em idas e vindas e de maneira muito mais entrecortada e menos planejada do que idealmente gostaríamos de ver acontecendo. É importante que o processo de flexibilização continue ocorrendo, para que o ambiente de negócios brasileiro possa se ocupar cada vez mais dos seus objetivos principais, cabendo ao cumprimento das formalidades apenas dar segurança ao ambiente de negócios.

 

[1] Lei no. 13.818, de 24 de abril de 2019, ao alterar o artigo 289 da Lei das S.A.

[2] “Marco legal das startups: inovações legislativas e medidas de incentivo a investimentos”, Vidigal Neto Disponível em: https://www.vidigalneto.com.br/artigos/marco-legal-das-startups-inovacoes-legislativas-e-medidas-de-incentivo-a-investimentos .

[3] Vide parágrafos do artigo 289 da Lei das S.A.

[4] Vale excepcionar que microempresas e as empresas de pequeno porte (receita bruta anual inferior a R$ 4,8 milhões) estão dispensadas de realizar publicações de quaisquer atos societários, nos termos do artigo 71 da Lei Complementar n° 123, de 14 de dezembro de 2006.

[5] A exigência ainda consta no parágrafo 1º do artigo 1.152 do Código Civil.

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