A norma de CRA proposta pela CVM e a decisão de regular somente após o amadurecimento do mercado

Foi aberta audiência pública para discutir minuta de instrução proposta pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) que regulará a oferta de certificado de recebíveis do agronegócio (CRA). Mesmo sendo um valor mobiliário criado em 2004, com volume de emissões significativo nos últimos anos, essa será a primeira norma da CVM que tratará especificamente de CRA. Intencionalmente, a CVM decidiu aguardar o amadurecimento da indústria antes de regulá-la. Tratou-se de uma experiência singular, que merece algumas reflexões.

O CRA foi criado pela Lei nº 11.079, em dezembro de 2004. A partir de 2013, o mercado de CRA vivenciou notável expansão. Em 2016, o volume de ofertas realizadas atingiu R$14,2 bilhões, superando em mais de 5 vezes o volume de ofertas de 2014. Em razão desse crescimento, o CRA ocupa hoje um lugar de destaque no mercado de securitização, equiparando-se, em importância, ao fundo de investimento em direitos creditórios (FIDC) e ao certificado de recebíveis imobiliários (CRI).

Inicialmente, pela ausência de regulamentação própria, as ofertas de CRA deveriam observar o disposto na Instrução CVM nº 400/03. Em 2008, uma decisão do Colegiado da CVM estabeleceu que passariam a ser utilizadas as normas de CRI como base para análise dos pedidos dessas ofertas.

A insegurança jurídica decorrente da ausência de regulamentação específica, além de uma primeira tentativa de emissão de CRA malsucedida podem ter retardado o desenvolvimento da indústria: entre 2004 e 2012, o número e volume de ofertas de CRA foram pouco relevantes. Por outro lado, quando o número de ofertas começou a crescer, o que era uma fraqueza, tornou-se uma virtude. A ausência das amarras regulatórias contribuiu para que as ofertas rapidamente se moldassem às necessidades do segmento, adquirindo características próprias. A revolvência da carteira, a abrangência do conceito dos direitos creditórios do agronegócio e a utilização de seguros de crédito são alguns dos aspectos particulares que se encontram nas ofertas de CRA.

Adicionalmente, o teor da minuta submetida à audiência pública é certamente mais consistente e provavelmente melhor do que o que poderia ser proposto pela CVM quando da criação do CRA. Além da experiência acumulada com dezenas de operações, incluindo algumas discutidas no âmbito do Colegiado, o regulador se beneficiou do desenvolvimento das normas aplicáveis aos demais produtos de securitização, notadamente as de CRI e FIDC, que, em boa medida, serviram de inspiração para a minuta de CRA.

De forma geral, a minuta adotou a mesma estrutura da norma de CRI, além de uma série de disposições particulares, como a definição de requisitos exigidos para ofertas a investidores não qualificados.

Das regras de FIDC, incorporou-se, entre outros, os seguintes elementos: (a) possibilidade de emissão de diferentes classes, com subordinações entre si, (b) segregação de atividades entre prestadores de serviço e exigência de contratação de instituição custodiante independente para a guarda dos documentos que compõem o lastro dos CRA, e (c) vedação a certas operações em que haja conflitos de interesse.

O processo de audiência pública também deve ser beneficiado. É provável que parcela das sugestões que venham a ser apresentadas tenha base em experiências práticas tanto da indústria de CRA, como de FIDC e CRI. Por esse motivo, terão maior potencial de contribuir para o aprimoramento da norma.

Para uma análise conclusiva da experiência regulatória do CRA, será fundamental avaliar os efeitos práticos da norma nos anos seguintes à sua publicação. No entanto, diante das considerações apresentadas acima, há fortes razões para se acreditar que a avaliação geral desse processo será positiva. É provável que dele se possa extrair algumas lições que contribuam para o desenvolvimento do processo regulatório no âmbito do mercado de capitais.

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