Influência do conselho de administração na eleição de seus próprios membros

O ano de 2023 foi marcado por uma crise relevante no âmbito das companhias abertas no começo deste ano, e, agora, no começo do segundo semestre, ensaia um retorno ao otimismo, com notícias de possíveis IPOs em breve.

O mercado de capitais brasileiro vai amadurecendo e crises são parte do processo de aprendizado, quando reguladores e operadores vão atualizando suas ferramentas de trabalho para lidar com as novidades trazidas pelas crises no âmbito nacional.

Vemos cada vez mais companhias abertas organizadas na forma de corporations, companhias sem acionista controlado definido e, portanto, conforme a lei brasileira, sem efetivo acionista minoritário. Nesse cenário, os conselhos de administração, que sempre seriam o órgão mais importante de uma companhia aberta em termos de representação do acionista, ganham ainda mais relevância.

E é justamente o próprio conselho de administração que costuma organizar todos os eventos que tratam da própria destituição e eleição de seus membros, seja regularmente quando da ocorrência de assembleias gerais ordinárias (no prazo mais comum para seus mantados de dois anos), ou em casos de eventos extraordinários ao longo do mandato.

Nessa atuação, é muito relevante, e também difícil, o conselho de administração manter sua isenção no processo. Não raramente seus membros, ainda que declarem sua independência, estão vinculados a um acionista controlador (quando existente) ou ao acionista de referência, o que facilmente termina por enviesar suas atitudes em um momento de eleição de órgão tão importante.

Não é tão distante do processo em que um membro do executivo da administração pública perde sua capacidade de fazer o melhor para a coletividade nos seus últimos momentos de mandato, e passa a tomar atitudes que sejam melhores para o grupo ao qual é afiliado.

É essencial que acionistas e advogados estejam devidamente atentos a tudo que se passa nos momentos que antecedem as assembleias de destituição e eleição de membros do conselho de administração. O que muitas vezes termina ocorrendo é uma verdadeira batalha por posições no conselho de administração, mediante uso das estruturas legais postas para que isso ocorra.

E, nesse contexto, é preciso observar que a legislação aplicável é escassa em termos de regulação. Provavelmente de modo correto. É impossível prever tudo que deve ocorrer em uma assembleia geral, a ponto de regulá-la na minúcia. O excesso de regulação traria um engessamento ao processo, além de gerar ainda mais oportunidades para uma das características mais humanas ter seu lugar: usar uma norma, uma convenção imaginária que se toma por obrigação, e fazer dela um fim em si mesmo.

Daí surge a importância da interpretação das normas e a capacidade de entender o motivo pelo qual elas existem, o que a norma quer proteger quando ela estabelece seus comandos. E daí a relevância de examinar as recomendações da Comissão de Valores Mobiliários, tal como seu ofício anual, assim como de órgãos como o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa, para se evitar o mau uso de normas mediante intenções desviadas.

A intenção da Lei das Sociedades por Ações é firme no sentido de sempre cuidar da representatividade entre assembleia geral e conselho de administração. Justamente daí vêm os institutos do voto múltiplo e do voto em separado[1], para garantir que acionistas minoritários relevantes possam também ter sua representação no conselho, sem que isso tire a capacidade de controle pelo acionista controlador, quando existente.

Outro artigo que tem essa intenção é o artigo 150 da Lei das Sociedades por Ações[2], que estabelece que o conselho de administração pode nomear substitutos no caso de vacância de cargo. A primeira parte do dispositivo assevera que o membro efetivo deve ser eleito na próxima assembleia geral quando se tratar de apenas um conselheiro, enquanto a segunda parte enuncia a necessidade de se convocar imediatamente uma assembleia geral no caso de vacância da maioria dos cargos.

Ou seja, há um equilíbrio entre manter a operacionalidade do conselho de administração, e, de outro lado, retomar de forma célere a representatividade entre assembleia e conselho. O regime de urgência é dado no caso de vacância de maioria dos cargos, para que a assembleia não veja um conselho que ela não elegeu tomando decisões definitivas em relação à companhia, por tempo maior do que o necessário.

Assim, vê-se que somente ler a letra fria da lei não serve. O motivo pelo qual ela existe informa como ela deve ser interpretada. E, no caso específico do conselho de administração, o tema principal é representatividade, dando espaço para que todos os acionistas possam participar e influenciar o processo, naturalmente observando todo o marco regulatório aplicável.

Ainda vemos muitos conselhos de administração não sendo diligentes e cumpridores dos seus deveres quando se trata da destituição e eleição de seus próprios membros. Certamente humano, mas justamente por isso existem normas e mecanismos de supervisão e punição na regulação brasileira para que isso seja diminuído e novos hábitos sejam criados.

Como dito, é importante que acionistas e operadores estejam devidamente munidos da atenção e do conhecimento necessários, para que as normas possam ser devidamente implementadas seguindo o fim para o qual elas foram concebidas.

 

[1] Ambos os procedimentos são previstos no artigo 141 da Lei das Sociedades por Ações, sendo o voto múltiplo no caput do no artigo 141 e o voto em separado no §4º e seguintes do mesmo artigo.

[2] “Art. 150. No caso de vacância do cargo de conselheiro, salvo disposição em contrário do estatuto, o substituto será nomeado pelos conselheiros remanescentes e servirá até a primeira assembléia-geral. Se ocorrer vacância da maioria dos cargos, a assembléia-geral será convocada para proceder a nova eleição.”

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