Fusões e Aquisições no Setor de Saúde

O setor de saúde tem sido um dos protagonistas no mercado de fusões e aquisições brasileiro nos últimos anos. Somente no ano passado, reporta-se que foram realizadas mais de 40 transações. Para o próximo ciclo de investimentos, há expectativa de que o setor continue aquecido, gerando mais oportunidades de negócios. As operações de M&A nesse setor têm sido marcadas por uma dinâmica própria, moldada pelo perfil de seus agentes e pelas características que são típicas desse mercado. Assim, conhecer de antemão tais características e saber lidar com tais peculiaridades, na prática, pode representar importante diferencial para geração de valor nessas operações. Neste artigo, abordaremos brevemente algumas dessas características.

É comum que os vendedores nessas operações sejam profissionais da saúde que se agruparam, no passado, para prestação de serviços por meio de sociedades civis ou cooperativas – as quais, ao longo dos anos, tornaram-se sociedades com atividades tipicamente empresariais, com valor comercial relevante. Do lado comprador, em geral encontram-se investidores financeiros, representados por fundos de private equity, e investidores estratégicos, representados por grandes players do mercado.

As sociedades que são objeto dessas transações têm, em geral, perfil que se aproxima daquele de empresas familiares – em que os fundadores são responsáveis diretos pela gestão do dia-a-dia do negócio, centralizando em si a maioria das decisões e processos.

Além do perfil das partes, é possível apontar também alguns riscos jurídicos típicos presentes nessas sociedades, que aparecem com frequência durante o processo de auditoria legal nas operações de M&A. O conhecimento prévio de tais riscos típicos torna-se importante para se realizar uma análise bem recortada e eficiente dos ativos.

No âmbito contencioso, por exemplo, é importante lembrar que, por se tratar de empresas que prestam serviços ao consumidor final, as ações judiciais cíveis propostas contra elas estarão, em geral, disseminadas em diferentes comarcas [1] – devendo-se checar, portanto, a situação da sociedade em todas as jurisdições aplicáveis, e não apenas naquela de sua sede.

Além disso, é comum que existam contra essas sociedades ações judiciais que envolvam pedidos que não são imediata ou facilmente quantificáveis – tornando o cálculo do valor possível de perda nessas ações mais complexo. Isso pode ocorrer, por exemplo, no caso de pedidos de indenização por danos morais – por exemplo, em razão de erros médicos – ou, ainda, no caso das chamadas obrigações de fazer, como, por exemplo, para disponibilização de tratamento home care[2].

Questões relacionadas a licenças e supervisão regulatórias são também de extrema importância nesse setor. A depender do âmbito de atuação, a sociedade-alvo poderá ser regulada, ao menos, pelos órgãos sanitários e ambientais competentes, bem como pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) – sendo que, neste último caso, a própria operação de M&A estará sujeita à aprovação prévia do órgão regulador.

No âmbito regulatório, é comum identificarem-se irregularidades relacionadas, por exemplo, à realização de obras de expansão sem a devida atualização de licenças ou ao tratamento dado aos resíduos de serviços de saúde. No caso de haver competência da ANS, são relevantes ainda os processos administrativos sancionatórios que podem resultar na aplicação de multas, eventuais processos de direção fiscal, além dos processos de ressarcimento ao SUS. Do ponto de vista contábil, a competência da ANS traz ainda preocupações específicas relacionadas a provisões e reservas técnicas, bem como a ativos garantidores exigidos pela regulamentação.

Por fim, não se pode esquecer também que, a depender do porte das empresas envolvidas na operação, ela estará sujeita, ainda, à aprovação pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE. Este órgão tem amadurecido sua compreensão do setor de saúde nos últimos anos, o que tem se refletido em análises recentes mais criteriosas e detalhadas das operações[3].

Particularidades do setor de saúde podem ser citadas também com relação a outras etapas da operação de M&A. Entre a assinatura e fechamento do contrato, por exemplo, deve-se ter em mente as dificuldades práticas que podem ser geradas pelo cumprimento de determinadas obrigações limitadoras na condução dos negócios vis-à-vis a necessidade de manutenção do giro normal da empresa. Além disso, após a conclusão da operação, é preciso estar preparado para enfrentar os desafios culturais e operacionais tipicamente presentes na fase de implementação no negócio.

Conhecer de antemão essas e outras características e práticas se revela essencial para o sucesso das operações de M&A de saúde, representado importante diferencial para aqueles que pretendem aproveitar as atuais e futuras oportunidades no setor.

De um lado, entender o perfil, inclusive do ponto de vista subjetivo, da outra parte, permite ao comprador adaptar de forma correta sua abordagem inicial, bem como a postura durante as negociações – facilitando a comunicação e diminuindo custos de transação. De outro, ao entender quais são os riscos típicos do setor, é possível dar adequado direcionamento às análises jurídica e contábil, cujos resultados impactarão elementos essenciais do negócio, como preço, garantia e indenização – resultando, em última instância, em geração de valor para as transações.

[1] De acordo com o Código de Defesa do Consumidor, ações de responsabilidade civil contra fornecedor de produtos e serviços pode ser proposta no domicílio do autor.

[2] Nesse tipo de obrigação, a empresa ré não é condenada a pagar uma quantia determinada, mas sim, a prestar determinado serviço ou a realizar determinada providência.

[3] Dentro desse contexto, em julho de 2018, o CADE lançou o caderno “Atos de Concentração nos mercados de planos de saúde, hospitais e medicina diagnóstica”, consolidando estatísticas dos atos de concentração, bem como informações e posicionamentos do órgão sobre a aplicação das regras antitruste ao setor. O caderno pode ser acessado em http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/publicacoes-institucionais/publicacoes-dee/cadernos-do-cade-atos-de-concentracao-nos-mercados-de-planos-de-saude-hospitais-e-medicina-diagnostica.pdf

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