Dissolução de sociedade conjugal e a divisão de quotas/ações sociais

A apuração de haveres é um tema fundamental e controverso do direito dos sócios e das sociedades, mas que não fica restrito às relações societárias e pode se estender às relações particulares dos sócios, como é o caso das relações decorrentes de casamento e união estável, celebrados em regime de comunhão universal ou parcial, especialmente quando estas relações chegam ao fim – i.e., quando há a discussão de separação de bens no âmbito de dissolução de uma sociedade conjugal.

Nesta hipótese, algumas dúvidas podem surgir, como, por exemplo, se é possível que o(a) ex-cônjuge ingresse na sociedade, se o tipo societário (e.g., sociedade limitada e sociedade anônima) faz diferença para determinar o direito do(a) ex-cônjuge, ou até se o(a) ex-cônjuge fica vinculado às regras de apuração e método de pagamento de haveres previstas em documentos societários.

Vale destacar que, independentemente do tipo societário, a discussão a respeito de direitos de um cônjuge quanto à participação detida em uma sociedade pelo outro é pertinente exclusivamente quando a união conjugal for contraída sob os regimes de comunhão universal ou parcial[1] de bens, caso contrário (i.e., separação total ou obrigatória), não há que se falar em partilha de bens entre os cônjuges.

As sociedades anônimas, em decorrência das características do seu tipo societário, as quais incluem a possibilidade de transmissão da titularidade de suas ações livremente a terceiros (não sendo a identidade do terceiro um fator relevante aos demais acionistas), como regra, permite o ingresso do ex-cônjuge não acionista no quadro acionário da companhia, o qual passa a deter metade da participação anteriormente detida por seu ex-cônjuge na data em que tem fim a sociedade conjugal.

As sociedades limitadas, por sua vez, possuem o caráter personalíssimo de seus sócios (i.e., a identidade dos sócios é um fator relevante para constituição, ou não, da sociedade), sendo que, em regra, a transferência de sua titularidade observa regras específicas e não permite o ingresso de terceiros na Sociedade, inclusive do cônjuge do sócio, apenas a apuração de haveres[2] (a respeito da apuração de haveres, fazemos referência ao informativo escrito em novembro de 2021, no qual abordamos o tema[3]).

Assim, é recomendável que, caso se queira evitar ou melhor regular as regras gerais acima explicadas, que tendem a prevalecer nos tribunais, o melhor é que haja dedicação especial a essa regulação.

No caso das sociedades anônimas, o acordo de acionistas será o lugar mais apropriado para regular questões com esse tipo de conteúdo, de modo a deixar mais claro como se deve dar a divisão das ações e requerer a adesão do acionista ingressante ao acordo de acionistas. Ou criar remédios que forcem o sócio a alienar a participação societária que detém, de modo que não haja o ingresso do novo acionista. Vale dizer que é possível que, com o acordo de acionistas sendo um documento privado,  essa disposição tenha sua oponibilidade questionada pelo cônjuge, motivo pelo qual é recomendável que o cônjuge anua a ela.

Já no caso da sociedade limitada, recomenda-se disposição expressa no contrato social (sendo que se esta estiver no acordo de sócios continua valendo a recomendação acima quanto a acordo de acionistas em sociedade anônima) de modo a regular a entrada ou não do cônjuge, e também a forma de apuração dos haveres do cônjuge caso se siga o padrão de que estes não são admitidos.

Assim, em planejamentos patrimoniais e familiares é importante que esse tipo de conceito seja levado em conta, considerando interesses pessoais e empresariais existentes, de modo a evitar discussões desnecessárias em situações como essas.

 

 

[1] Ressaltando-se ainda que neste caso as quotas/ações devem ter sido adquiridas ou integralizadas na constância do casamento, caso contrário não integrarão os bens do casal.

[2] Art. 1.027 da Lei nº 10.406/2002 e art. 600 da Lei nº 13.105/2015.

[3] https://www.vidigalneto.com.br/artigos/stj-altera-entendimento-sobre-o-metodo-a-ser-utilizado-na-apuracao-de-haveres-em-dissolucao-parcial-de-sociedades-limitadas

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