Decisões do STJ impactam mercado de FIDC

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou, no último dia 6 de agosto, dois Recursos Especiais que impactam o mercado de fundos, notadamente dos fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC). Tais decisões são um marco para a indústria, pois é a primeira vez que o STJ trata do tema com profundidade, ressaltando, inclusive, a importância dos fundos de investimento para o desenvolvimento do mercado de capitais no Brasil.

No primeiro Recurso Especial (nº 1.726.161-SP), debate-se a validade de cláusula em contrato de cessão de créditos a um FIDC que determina a responsabilidade solidária do cedente e de terceiros pela solvência do devedor. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) entendeu que o FIDC se equiparava às factorings e, com base em jurisprudência consolidada referente a essas últimas, decidiu, por maioria, pela nulidade da cláusula que estabelecia a coobrigação em favor do FIDC.

No âmbito do Recurso Especial apresentado ao STJ, diversas entidades representativas do mercado de capitais, como a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (ANBIMA) e a Associação Nacional dos Participantes em Fundos de Investimento em Direitos Creditórios Multicedentes e Multissacados (ANFIDC), entre outras, foram convidadas a participar na qualidade de amici curiae.

O STJ, por unanimidade, julgou que, na ausência de vedação legal ou regulamentar, é possível se estipular a coobrigação do cedente e de terceiros perante o FIDC, reconhecendo a competência da CVM para regular e fiscalizar os fundos de investimento.[1] A Instrução CVM nº 356/01, que regulamenta os FIDC, e o próprio Código Civil preveem expressamente a possibilidade de o contrato estabelecer a responsabilidade do cedente e de terceiros pelo adimplemento dos créditos cedidos.

De acordo com o voto do relator, o Ministro Luis Felipe Salomão, os FIDC são estruturas do mercado de capitais que permitem o acesso indireto à poupança popular, por empresas de variados tamanhos e segmentos, por meio da aquisição de créditos e da oferta pública de cotas. Dessa forma, os FIDC não se confundem com as factorings.

No segundo Recurso Especial (nº 1.634.958-SP), discute-se se um FIDC, que adquiriu créditos originados por instituição financeira, pode cobrar, em relação a esses créditos, juros acima do permitido pelo Decreto nº 22.626/33 (Lei da Usura).[2] O TJSP havia decidido que, por não integrar o Sistema Financeiro Nacional (SFN), o FIDC estaria sujeito aos limites da Lei de Usura na cobrança de juros dos créditos adquiridos, independentemente de eles terem sido regularmente originados por instituição financeira.

O segundo Recurso Especial também contou com a relatoria do Ministro Luis Felipe Salomão. Em argumentação semelhante à apresentada na decisão do primeiro Recurso Especial e por unanimidade de votos, o STJ julgou favoravelmente ao recorrente e reconheceu a possibilidade de cobrança, pelo FIDC, dos juros contratados entre o devedor e a instituição financeira que originou os créditos, mesmo que acima do limite estabelecido pela Lei de Usura.

Embora ainda haja pontos que mereçam ser melhor esclarecidos, como o que se refere à distinção entre os FIDC e as instituições financeiras, tais decisões do STJ elevam a segurança jurídica da indústria de fundos de investimento e representam uma importante contribuição para o seu desenvolvimento.

[1] Mais recentemente, a competência da CVM foi reafirmada pela Lei nº 13.874/19, que instituiu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, entre outros.

[2] Conforme a Súmula nº 596, do Supremo Tribunal Federal (STF), as instituições financeiras não se sujeitam à limitação imposta pela Lei de Usura (“As disposições do Decreto 22.626/1933 não se aplicam às taxas de juros e aos outros encargos cobrados nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o Sistema Financeiro Nacional.”).

 

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