CVM institui o regime FÁCIL

Em setembro de 2024, a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) iniciou a Consulta Pública SDM nº 01/2024 (“Consulta Pública”)[1], encerrada em dezembro do mesmo ano, a qual propôs a criação do regime de “Facilitação do Acesso a Capital e de Incentivo a Listagens” (“FÁCIL”), com o objetivo de facilitar o acesso ao mercado de capitais por companhias de menor porte (“CMP”). Após o encerramento da Consulta Pública e o recebimento de manifestações de participantes do mercado, a CVM editou, em 3 de julho de 2025, as Resoluções nº 231 e 232, que instituem o FÁCIL.

Nos termos do art. 2º da Resolução CVM nº 232 – em linha com o art. 294-B da Lei das S.A. –, considera-se como CMP a companhia que tenha auferido receita bruta anual consolidada inferior a R$ 500.000.000,00 (quinhentos milhões de reais), conforme demonstrações financeiras de encerramento do exercício social anterior. Para a adesão ao FÁCIL, tais sociedades deverão, (a) caso já possuam registro de emissor junto à CVM, obter a anuência dos titulares de valores mobiliários em circulação; ou (b) na hipótese de companhia sem registro de emissor, (1) obter tal registro junto à CVM (categoria A ou B) e solicitar o enquadramento como CMP[2], ou (2) efetuar a respectiva listagem em entidade administradora de mercado organizado – o que confere, automaticamente, o registro junto à CVM e a classificação como CMP.

A perda da condição de CMP poderá ocorrer (a) por opção do emissor, mediante comunicação à entidade administradora do mercado organizado em que seus valores mobiliários estejam listados; (b) em caso de desenquadramento em relação ao limite de faturamento previsto no art. 2º da Resolução CVM nº 232; (c) em função de deslistagem; ou (d) por não realização de oferta pública de distribuição nos 24 meses subsequentes à obtenção do registro inicial e da classificação como CMP (concomitantemente). Configurada alguma dessas hipóteses, o emissor terá 90 (noventa) dias (contados do recebimento de notificação por parte da entidade administradora do mercado)[3] para regularização, exceto em caso de desenquadramento em relação ao faturamento (item (b) acima), hipótese em que o prazo é de 1 (um) ano.

Obtida a classificação como CMP, poderão as companhias em questão usufruir das flexibilizações previstas no âmbito do FÁCIL, mediante a elaboração de Relatório de Obrigações Regulatórias, indicando expressamente quais são as dispensas que serão utilizadas[4]. Em síntese, as condições facilitadas disponibilizadas para as CMPs são:

  1. substituição do formulário de referência, do prospecto e da lâmina pelo formulário FÁCIL (disponível no Anexo B da Resolução CVM nº 232), com necessidade de atualização em 14 (quatorze) dias úteis, em caso de, por exemplo, alterações na composição da administração ou na estrutura controle;
  2. possibilidade de divulgação semestral (ISEM), e não trimestral (ITR) de informações financeiras;
  3. realização de ofertas públicas nos moldes de quatro modalidades específicas e simplificadas:
    1. distribuição de valores mobiliários sem limitação de valor, efetuada na forma da Resolução CVM nº 160, desde que o emissor não utilize as dispensas de envio e atualização do formulário de referência e do ITR;
    2. distribuição de valores mobiliários limitada a R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais), a cada 12 meses, efetuada na forma das Resoluções CVM nº 160 e 161, com a possibilidade de substituição do formulário de referência, da lâmina e do prospecto pelo formulário FÁCIL, com a previsão ainda de que será necessária a análise da oferta apenas pela entidade administradora do mercado organizado em que o emissor esteja listado;
    3. distribuição de valores mobiliários representativos de dívida (não conversíveis ou permutáveis com ações) limitada a R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais), a cada 12 meses, e destinada a investidores profissionais[5], a ser efetuada na forma das Resoluções CVM nº 160 e 161, admitida a dispensa (1) do registro de emissor junto à CVM e (2) da coordenação por entidade registrada – ficando o ofertante autorizado a interagir diretamente com potenciais investidores profissionais destinatários da oferta; e
    4. distribuição de valores mobiliários limitada a R$ 300.000.000,00 (trezentos milhões de reais), a cada 12 meses, efetuada na forma da Resolução CVM nº 232, diretamente em sistema administrado pela entidade administradora de mercado organizado em que o emissor esteja ou venha a estar listado, sem necessidade de coordenação da oferta por tal entidade, nem de registro da oferta perante a CVM, bastando a divulgação do formulário FÁCIL e dos demais documentos e informações relacionados à oferta, para seu início;
  4. desnecessidade de distribuição de dividendo mínimo obrigatório, nos termos do art. 294-A, III da Lei das S.A.;
  5. dispensa da manutenção de informações em página na rede mundial de computadores; e
  6. dispensa do envio (i) do boletim de voto a distância e dos mapas de instruções de voto e de votação (desde que a empresa não opte por disponibilizar formas de votação a distância a seus acionistas); (ii) do informe sobre observância ao Código Brasileiro de Governança Corporativa; (iii) do reporte mensal sobre negociação de valores mobiliários por administradores e membros do conselho fiscal; (iv) das políticas sobre negociação de valores mobiliários e divulgação de fatos relevantes; e (v) do reporte de informações financeiras sobre sustentabilidade.

Nestes termos, o regime FÁCIL parece criar bons incentivos para o acesso ao mercado de capitais pelas empresas brasileiras, sobretudo pela previsão de um número considerável de dispensas em termos de fornecimento de informações, o que reduz o ônus regulatório associado à abertura de capital no Brasil. Tal diminuição da carga regulatória tende a ser benéfica justamente para as empresas de menor porte, para as quais os custos de monitoramento e de conformidade possuem um peso relativo maior[6].

Além disso, a criação de modalidades mais simplificadas para ofertas públicas também deve tornar mais atrativa a realização de distribuições de valores mobiliários pelos emissores, o que pode ampliar o número de empresas de capital aberto, bem como a quantidade de IPOs e follow-ons no Brasil. De qualquer forma, um real aumento em tais operações não dependerá somente da regulação aplicável, mas também da existência de condições de mercado favoráveis.

As Resoluções CVM nº 231 e 232 entrarão em vigor a partir de 2 de janeiro de 2026, momento em que as CMPs poderão passar a acessar o mercado de capitais com condições mais flexíveis, nos termos do FÁCIL.

 

[1] Informamos sobre a Consulta Pública em artigo anterior, disponível em: https://www.vidigalneto.com.br/artigos/cvm-propoe-regime-para-facilitar-o-acesso-ao-mercado-de-capitais-por-companhias-de-menor-porte.

[2] A classificação como CMP não se confunde com as categorias de registro de emissores de valores mobiliários (categorias A e B), previstas na Resolução CVM nº 80. Os emissores registrados na CVM continuarão segmentados entre A e B, podendo, adicionalmente, ser classificados como CMP.

[3] Tal notificação deve ser enviada pela entidade administradora de mercado organizado em até 3 dias úteis contados da ocorrência de uma hipótese de perda de classificação como CMP.

[4] Tal documento pode ser modificado uma única vez por exercício social, nos 7 (sete) dias úteis seguintes à realização da assembleia geral ordinária.

[5] Nos termos do art. 11 da Resolução CVM nº 30, são considerados investidores profissionais (a) instituições financeiras e demais instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil; (b) companhias seguradoras e sociedades de capitalização; (c) entidades abertas e fechadas de previdência complementar; (d) pessoas naturais ou jurídicas que possuam investimentos financeiros em valor superior a R$ 10.000.000,00 e que atestem por escrito sua condição de investidor profissional mediante termo próprio; (e) fundos de investimento; (f) clubes de investimento, desde que tenham a carteira gerida por administrador de carteira de valores mobiliários autorizado pela CVM; (g) assessores de investimento, administradores de carteira de valores mobiliários, analistas de valores mobiliários e consultores de valores mobiliários autorizados pela CVM, em relação a seus recursos próprios; (h) investidores não residentes; e (i) fundos patrimoniais.

[6] Abordamos o tema em informativo anterior, disponível em: https://www.vidigalneto.com.br/artigos/a-importancia-da-preparacao-das-companhias-abertas-para-cumprimento-das-obrigacoes-regulatorias.

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