CVM absolve conselheiros acusados por suposto descumprimento do dever de diligência em caso envolvendo contrato com parte relacionada

Em decisão recente[1], o colegiado da Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) absolveu membros de conselho de administração acusados de descumprimento do seu dever de diligência previsto no art. 153 da LSA[2] por suposta omissão quanto a análise da conveniência em manter os termos de contrato celebrado pela companhia com uma parte relacionada.

O contrato em questão tinha prazo indeterminado e estabelecia o licenciamento, por parte de uma empresa detida pelos controladores da companhia, do uso de determinadas marcas à companhia, mediante o pagamento de remuneração mensal sobre o faturamento obtido com a comercialização dos produtos identificados com as marcas licenciadas, a título de royalties.

O referido contrato já havia sido analisado pela área técnica da CVM em 2017. Naquela ocasião, foi expedido ofício assinalando que, para cumprir com seu dever de diligência, a administração da companhia deveria reavaliar periodicamente a conveniência desse contrato, embora não tivessem sido identificadas irregularidades no contrato naquela oportunidade e o processo tivesse sido arquivado sem acusação.

Em 2019, um novo processo foi instaurado a partir de questionamentos feitos por um acionista minoritário da companhia. Nessa nova análise, a área técnica entendeu que a administração não realizou as avalições periódicas sobre a conveniência da manutenção do contrato de licenciamento, conforme orientação que constou do ofício anteriormente expedido, e classificou essa omissão como descumprimento do seu dever de diligência, formulando acusação nesse sentido encaminhada para julgamento pelo colegiado da CVM.

O relator do caso no colegiado, porém, desconsiderou a recomendação emitida pela área técnica em 2017 no sentido de serem reavaliados periodicamente os termos do contrato de licenciamento, argumentando que não foram feitas considerações que explicassem os motivos pelos quais o conselho de administração deveria tomar tal providência e nem mesmo foram especificadas as medidas que seriam esperadas desse órgão nesse sentido.

Considerando que não foram identificadas no processo anterior irregularidades no contrato e que não há determinação legal ou estatutária que imponha ao conselho a obrigação de reavaliar periodicamente os termos do contrato, o órgão teria liberdade para se desincumbir dessa análise de outras formas que se mostrassem razoáveis, inclusive com suporte na atuação da diretoria.

Analisando a conduta do conselho de administração com relação ao contrato em questão sob a ótica do seu dever de diligência, o relator entendeu que não ficou comprovada nesse caso a omissão dos conselheiros da companhia quanto a tais deveres legais. Acompanhando o voto do relator, o colegiado absolveu os conselheiros acusados por unanimidade.

Sem prejuízo dos fatos específicos do caso que levaram à absolvição dos acusados, destacamos a seguir os conceitos e esclarecimentos que foram utilizados como base dessa decisão e que poderão ser considerados em casos semelhantes.

Em primeiro lugar, o relator esclareceu que a análise da aderência de determinada conduta ao padrão de diligência previsto na lei deve ser feita com foco no aspecto procedimental, ou seja, na forma da atuação do administrador e não no conteúdo das suas decisões. Isso significa que o importante não é o resultado em si, mas sim verificar se, na prática, o administrador empenhou os esforços necessários e suficientes para o alcance do melhor resultado.

O relator também considerou que, dada a sua abrangência, o dever de diligência pode ser mais didaticamente subdividido em três sub-deveres: (i) o dever de pautar seus atos e tomar decisões de maneira informada, (ii) o dever de monitorar as políticas e atividades da companhia, e (iii) o dever de investigar fatos quando as circunstâncias exigirem maior atenção sobre determinado assunto.

Ademais, para avaliar a aderência ao padrão de diligência previsto em lei, os sub-deveres mencionados acima devem ser analisados considerando, pelo menos, três aspectos, os quais foram abordados em detalhes na decisão em comento: (i) a competência legal ou estatutária do administrador, (ii) o grau de tecnicidade da matéria analisada e (iii) a existência de sinais de alerta, quando da tomada de decisão.

Por fim, o relator ressaltou o reconhecimento do colegiado à prerrogativa dos administradores de confiar nos trabalhos realizados por terceiros, incluindo diretores, quando não houver sinais de alerta que possam lançar dúvidas sobre a sua atuação. Tal entendimento tem base na estrutura dualista da administração, segundo a qual o conselho de administração tem função não recorrente, não diária e não ordinária e a diretoria tem funções executivas, sendo que para que tal sistema funcione, ambos os órgãos precisam estar em harmonia e com confiança recíproca.

A recente decisão reforça e esclarece entendimentos anteriores acerca do dever de diligência de administradores e evidencia elementos importantes a serem considerados pelos administradores quando estiverem diante de uma transação com parte relacionada e deve servir para orientar sua atuação em situações semelhantes no futuro.

 

[1] PAS CVM SEI nº 19957.009118/2019-41. Rel. Dir. Pres. Marcelo Barbosa. Dia 24 de maio de 2022.

[2] Art. 153. O administrador da companhia deve empregar, no exercício de suas funções, o cuidado e diligência que todo homem ativo e probo costuma empregar na administração dos seus próprios negócios.

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