Comentários sobre Governança Corporativa na atual conjuntura

Nestes últimos tempos, tem se falado muito sobre governança corporativa. Seja por questões relacionadas ao que se chama de ESG (environmental, social and corporate governance), seja por questões de compliance, auditoria e os recentes eventos no mercado que foram noticiados.

Trocando em miúdos, a governança corporativa é o conjunto de regras internas de uma pessoa jurídica por meio das quais ela se estrutura, organiza e toma decisões, envolvendo eventualmente também atores externos que fiscalizam e reforçam essa estrutura.

Evidentemente, nós temos indicações do que são boas práticas de governança corporativa para empresas. Diversas instituições, nacionais e estrangeiras, estabelecem o que seriam melhores práticas de governança. Mais do que isso, também organismos de autorregulação terminam por exigir determinadas regras de governança. Por exemplo, a B3 tem seus conhecidos níveis de listagem (a começar de cima pelo Novo Mercado), com exigências bastante específicas.

Infelizmente o que acaba acontecendo é que muitas vezes essas regras são simplesmente usadas como se fossem um selo de certificação. No ESG, isso é muitas vezes chamado de “washing”. Uma forma de mostrar aos outros que a companhia as adota, e que por isso ela tem maior valor, sem de fato ter qualquer apego pelos valores que as regras representam. O fato de, em grande medida, elas serem muitas vezes desenvolvidas por terceiros e meramente adotadas ainda tira um pouco do sentido de apropriação e adaptação pela companhia aos seus objetivos específicos.

Companhias nada mais são do que ficções jurídicas. Uma ideia, que ajuda a fazer a segregação do risco de uma atividade empresarial a uma determinada porção patrimonial, desde que as leis sejam cumpridas pelos indivíduos responsáveis pelo controle e pela administração da companhia. Elas não existem, elas são meramente uma forma jurídica por meio da qual um grupo de indivíduos se organiza para levar adiante um empreendimento. E, portanto, no fim, essas pessoas jurídicas se manifestam por meio das atitudes e pelas relações entre os indivíduos.

Muito se tem cobrado sempre das ferramentas de governança corporativa para que elas sejam capazes de garantir a ética, as boas práticas e a implementação dos valores das companhias. Pessoas jurídicas não têm ética. Quem deve ter ética são os seres humanos que levam o empreendimento adiante.

A governança corporativa deve ser o instrumento por meio do qual os indivíduos que compõem a empresa são chamados a exercer suas atividades usando de ética e boas práticas. Essa é a melhor governança corporativa, um conjunto de regras que funcione como um instrumento, mas de nenhuma maneira poderá alguma vez ser uma garantia.

Para isso, é muito relevante que a ética e os bons valores sejam priorizados e praticados pelos controladores e administradores das companhias, e também por isso é muito relevante que, além de normas específicas granulares, haja, como de fato há, na nossa legislação, normas principiológicas que norteiam a atuação deles (como aquelas ligadas a responsabilidade do controlador, e deveres de diligência dos administradores, por exemplo).

A governança corporativa da companhia deve servir acima de tudo como um lembrete, um “wake-up call”, desses princípios, deveres e responsabilidade. Uma estrutura que por si só não garante que eles serão aplicados, mas sim uma estrutura que faz que o indivíduo volte a despertar e lembrar que, sem qualquer prejuízo à vontade de lucro e resultado que ele possa ter, isso deve ser feito juntamente com a proteção e implementação desses princípios, deveres e responsabilidades, com clareza das causas e dos efeitos das suas atitudes.

Fica-se com a impressão de que se está exigindo demais das normas e das pessoas jurídicas, como se fosse que esses seres inanimados terão vontade e éticas próprias e garantirão que tudo sempre correrá do jeito perfeito. Por vezes algumas discussões de ESG acabam caindo nesse erro.

É absolutamente natural ao ser humano cair no piloto automático. Diz-se que o nosso cérebro não foi feito primordialmente para pensar, mas sim para administrar energia e nos manter vivos. Com isso, sempre que possível, criamos hábitos para poupar energia e perdemos nosso contato com o propósito inicial. Com a profusão de alterações em qualquer empresa, mudanças de quadros de pessoal, perde-se o histórico de normas, propósito, e facilmente se entra no “sempre foi feito desse jeito”.

Precisamos de pessoas responsáveis na liderança das companhias que não cumpram obrigações de governança, sem dúvida, mas acima de tudo, do ponto de vista jurídico, precisamos de uma boa modelagem de normas que mantenham ao máximo as pessoas despertas quanto àquilo que fazem, com diretrizes claras do que se espera delas e das suas responsabilidades, não apenas uma indicação de um mero procedimento a ser seguido.

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