ASSEMBLEIAS GERAIS ORDINÁRIAS NO CONTEXTO ECONÔMICO DE 2023

Estamos entrando no mês de abril, período em que ocorre a imensa maioria das assembleias gerais ordinárias (“AGO”) de companhias no Brasil. Durante os últimos meses, vivemos um contexto de quedas relevantes no mercado de capitais, e também um momento de incerteza econômica mundial. Some-se a isso a controvérsia que houve no começo do ano no que diz respeito à Americanas, e temos um momento de aprovação de contas e eleição de novos administradores que requer bastante atenção dos acionistas, especialmente os minoritários.

Assim, neste mês fazemos abaixo apontamentos específicos sobre a aprovação de contas, da destinação do resultado do exercício, assim como quanto à nomeação de administradores por métodos alternativos, de modo a dar contornos gerais das ferramentas que podem estar à disposição dos acionistas neste momento.

Aprovação anual de contas

Anualmente, nos quatro primeiros meses seguintes ao término do exercício social de uma sociedade anônima, deve ocorrer sua AGO, como dispõe o artigo 132 da Lei nº 6.404/1976 (“Lei das S.A.”). É nessa assembleia, órgão máximo deliberativo da companhia, em que se discutem as principais questões do exercício social encerrado, inclusive a aprovação ou a reprovação das contas dos administradores e das demonstrações financeiras, assim como a destinação do resultado de referido exercício encerrado.

Cada documento deve ser ponderado separadamente. Podem ocorrer situações nas quais um documento é aprovado e o outro não, ou, ainda, situações em que são aprovadas apenas as demonstrações financeiras, e são deliberadas modificações no projeto de destinação de lucros, por exemplo.

Presumindo que todas as formalidades de convocação e instalação da AGO sejam devidamente cumpridas, da deliberação dos acionistas podem resultar três possíveis cenários quanto às contas dos administradores: aprovação sem reservaaprovação com reserva e reprovação.

A aprovação sem reserva outorga aos administradores verdadeira quitação, eximindo-os de responsabilidade em face da companhia e dos acionistas, salvo se, posteriormente, ficar comprovada a existência de vício, erro, dolo, fraude, simulação ou coação em sua conduta ou nas informações prestadas aos acionistas (conforme demonstrado em ação judicial específica que tenha por objetivo anular a aprovação pela AGO). Essa quitação automática vem sendo flexibilizada pelo judiciário, tendo em vista que, muitas vezes, as contas não são discutidas com tanta profundidade e os acionistas não possuem conhecimento técnico para decifrar a complexidade e a extensão dos documentos contábeis apresentados.

Já a aprovação com reserva ocorre quando os acionistas entendem que há irregularidades nos documentos apresentados pela administração e apresentam proposta para sua retificação, após a qual se exige, dos administradores, a republicação de todos os documentos que devem ser apresentados à AGO, e não só daqueles que foram retificados. Na hipótese de ratificação satisfatória, as consequências são as mesmas de uma aprovação sem reserva.

A última hipótese é simplesmente a reprovação das contas, que muitas vezes dá ensejo à propositura de ação de responsabilidade civil contra o administrador, pelos prejuízos causados à companhia. A prerrogativa para propositura de tal ação é da companhia, desde que aprovada em assembleia geral de acionistas. Caso a assembleia geral decline a propositura da ação de responsabilidade, qualquer acionista que represente pelo menos 5% (cinco por cento) do capital social da companhia poderá fazê-lo (conforme artigo 159, parágrafo 4º da Lei das S.A.).

Remuneração de administradores

A questão da remuneração dos administradores é tema cada vez mais relevante no âmbito das companhias, especialmente saber as principais informações quanto a incentivos, programas de bônus, metas e afins. No exterior, inclusive, já se começa a falar de esclarecer as informações de remuneração vis-à-vis a efetiva performance da companhia, assim como também se começa a inserir a possibilidade de devolução de bônus recebidos em razão de resultados que posteriormente se mostrem equivocados e que tenham dado causa ao recebimento de bônus de maneira indevida.

Por ocasião da AGO, segundo o artigo 157 da Lei das S.A., o acionista com ações representativas de ao menos 5% (cinco por cento) do capital da companhia pode pedir informações detalhadas da remuneração dos administradores da companhia (e também dos empregados de alto nível), ficando estes obrigados a divulgá-las, incluindo ações de sua titularidade, opções de compra, condições de contrato de trabalho, e outras informações que possam ser relevantes quanto à sua contratação, benefícios e outros fatos e atos relevantes relacionados à companhia.

Eleição de conselheiros

Adicionalmente, é comum que também na AGO seja deliberada a eleição de administradores da companhia, por ocasião do término do mandato dos administradores até então nos seus cargos.

A lei societária brasileira, com o objetivo de garantir uma maior influência dos acionistas minoritários com participação relevante sobre a gestão e orientação dos negócios da sociedade, estabeleceu o sistema de voto múltiplo para eleição de conselheiros as assembleias gerais (art. 141 da Lei das S.A.). Por meio desse mecanismo, fica facultado aos acionistas que representarem, pelo menos, 10% (dez por cento) do capital social com direito a voto requererem a adoção do voto múltiplo, atribuindo a cada ação tantos votos quantos sejam os membros do conselho. Nesse sistema os acionistas minoritários dispõem da possibilidade de cumular os votos em um só candidato – potencialmente aumentando as chances de eleger o seu candidato, dado que os acionistas controladores terão que dividir seus votos em vários nomes, com o objetivo de emplacar a maioria dos conselheiros – ou distribuí-los entre vários.

Outra medida que visa resguardar a proporcionalidade no preenchimento dos cargos da administração é o direito à eleição em separado (art. 141, § 4o da Lei das S.A.). Este instituto permite aos acionistas titulares de 15% (quinze por cento) do total das ações com direito a voto e aos acionistas detentores de ações preferenciais que representem, pelo menos, 10% (dez por cento) do capital social eleger um conselheiro e um suplente em votação em separado. Ainda, se não houver capacidade de perfazer estes quóruns, restará o mesmo direito aos titulares de ações ordinárias e preferenciais que representem, em conjunto, pelo menos 10% (dez por cento) do capital social. Existe uma discussão doutrinária sobre esta votação quanto à aplicação desse voto em companhias que não tenham controlador ou bloco de controle definidos, dado que a exclusão do controlador neste voto é expressamente mencionada na lei.

Com base no acima, vê-se que a legislação societária cuidou de garantir aos acionistas, e especialmente aos minoritários, meios de examinar o andamento dos negócios das companhias, as condições de contratação dos administradores, e também de garantir que haja administradores na companhia que não sejam vinculados ao controlador. É de suma importância que, neste momento de mercado, essas ferramentas sejam amplamente usadas, fazendo que esse exame cruzado de informações por acionistas e administradores possa gerar um ambiente econômico e um mercado de capitais hígido e transparente.

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