Assembleia especial para revisão de preço em OPA de cancelamento de registro

A decisão do acionista controlador de “fechar o capital” de uma companhia listada na bolsa de valores, ainda que muitas vezes motivada por considerações financeiras e estratégicas legítimas, não acarreta apenas restrições severas à liquidez das ações, mas também enfraquecimento da tutela informacional em favor dos minoritários. A posição de vulnerabilidade da minoria pode, a seu turno, aumentar desproporcionalmente o poder de barganha do controlador em futuras aquisições de ações, após o cancelamento do registro. A saída do mercado organizado exige, portanto, instrumentos de compensação e salvaguarda, que permitam mitigar os riscos de expropriação econômica do investidor minoritário.

Nesse cenário, o art. 4º-A da Lei nº 6.404/1976[1] – introduzido pela da Lei Federal nº 10.303/2001 – instituiu a figura da assembleia especial de titulares de ações em circulação, voltada especificamente à revisão do preço ofertado em operações de oferta pública (“OPA”) para cancelamento de registro (ou por aumento de participação). Trata-se de um mecanismo que reforça a lógica do “preço justo”, já prevista no art. 4º, § 4º da mesma lei[2], ao criar uma instância deliberativa capaz de provocar nova avaliação independente caso se tenha a impressão de que o primeiro laudo, contratado diretamente pelo ofertante, não refletiu adequadamente o valor da companhia.

O funcionamento da assembleia especial é regulado pela lei acionária e, a partir de 1º de outubro de 2025, pela Resolução CVM nº 215/2023, que substitui a Resolução CVM nº 85/2022[3]. Para sua convocação, exige-se o requerimento de acionistas titulares de, ao menos, 10% das ações em circulação (o “free float”), formulado no prazo de 15 dias contados da divulgação do preço da oferta pública. O pedido deve ser fundamentado em elementos que demonstrem (potencial) falha ou imprecisão no critério de avaliação utilizado no laudo original, encomendado pelo ofertante.

Uma vez apresentado o pedido, a administração da companhia deve adotar as providências necessárias para a convocação, sob pena de os próprios acionistas poderem fazê-lo[4]. Importante notar que, a partir da solicitação, o processo da OPA é suspenso, evitando que a operação avance antes da definição do preço.

Participam da assembleia especial apenas os titulares de “ações em circulação”, isto é, “todas as ações do capital da companhia aberta menos as de propriedade do acionista controlador, de diretores, de conselheiros de administração e as em tesouraria[5]. Nela, os acionistas deliberam se aprovam a realização de nova avaliação por empresa especializada independente. Caso aprovada e desde que aponte preço superior, a nova avaliação substitui a anterior e fixa o preço mínimo de referência da OPA. Se rejeitada ou caso indique valor inferior, prevalece o laudo original[6].

Trata-se, portanto, de um instrumento de correção, mas também de dissuasão: o simples risco de convocação da assembleia especial de revisão do preço incentiva o ofertante e os primeiros avaliadores a conduzirem o processo com maior rigor e transparência. Existem, de fato, precedentes no mercado em que a mera convocação do conclave especial motivou o ofertante a promover significativo aumento “espontâneo” do preço da OPA, de forma que os titulares de ações em circulação, uma vez reunidos, concluíram que sequer era necessária a realização de nova assembleia.

O legislador também buscou criar freios e contrapesos ao risco de abuso de minoria. Para desincentivar cenários em que, a despeito da apresentação de laudo original tecnicamente correto, a assembleia especial seja convocada de modo frívolo, com os únicos propósitos de atrasar a OPA e pressionar indevidamente o ofertante, a lei prevê, em complemento à exigência de se indicar falha ou imprecisão na primeira avaliação, a responsabilidade dos minoritários que solicitaram a convocação do conclave ou votaram a favor da realização da segunda avaliação pelos custos desta última, caso ela aponte valor inferior ao da primeira.

[1] LSA, Art. 4º-A. Na companhia aberta, os titulares de, no mínimo, 10% (dez por cento) das ações em circulação no mercado poderão requerer aos administradores da companhia que convoquem assembléia especial dos acionistas titulares de ações em circulação no mercado, para deliberar sobre a realização de nova avaliação pelo mesmo ou por outro critério, para efeito de determinação do valor de avaliação da companhia, referido no § 4o do art. 4o.

[2] LSA, Art. 4º, §4º. O registro de companhia aberta para negociação de ações no mercado somente poderá ser cancelado se a companhia emissora de ações, o acionista controlador ou a sociedade que a controle, direta ou indiretamente, formular oferta pública para adquirir a totalidade das ações em circulação no mercado, por preço justo, ao menos igual ao valor de avaliação da companhia, apurado com base nos critérios, adotados de forma isolada ou combinada, de patrimônio líquido contábil, de patrimônio líquido avaliado a preço de mercado, de fluxo de caixa descontado, de comparação por múltiplos, de cotação das ações no mercado de valores mobiliários, ou com base em outro critério aceito pela Comissão de Valores Mobiliários, assegurada a revisão do valor da oferta, em conformidade com o disposto no art. 4o-A.

[3] A Resolução CVM nº 215/2013 revogará a Resolução CVM nº 85/2022, que, por sua vez, revogou a Instrução CVM nº 361/2002, conforme alterada.

[4] LSA, Art. 4º-A, § 1º. O requerimento deverá ser apresentado no prazo de 15 (quinze) dias da divulgação do valor da oferta pública, devidamente fundamentado e acompanhado de elementos de convicção que demonstrem a falha ou imprecisão no emprego da metodologia de cálculo ou no critério de avaliação adotado, podendo os acionistas referidos no caput convocar a assembléia quando os administradores não atenderem, no prazo de 8 (oito) dias, ao pedido de convocação.

[5] Embora o §2º do art. 4º-A defina expressamente o conceito de “ações em circulação”, a CVM, por meio da Resolução CVM nº 215, em seu art. 2º, II. define de forma mais restritiva: “II – ações em circulação: todas as ações emitidas pela companhia objeto, excetuadas as ações detidas pelo acionista controlador, por pessoas a ele vinculadas, por administradores da companhia objeto, e aquelas em tesouraria;”

[6] E, também, ficam sujeitos à sanção do §3º do art. 4º-A: Os acionistas que requererem a realização de nova avaliação e aqueles que votarem a seu favor deverão ressarcir a companhia pelos custos incorridos, caso o novo valor seja inferior ou igual ao valor inicial da oferta pública.

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