Após oito anos de disputa judicial, cai liminar que autorizava a não divulgação de remuneração de administradores por companhias abertas

Em 23 de maio de 2018, o Tribunal Regional Federal da 2a região (“TRF-2”) deu provimento ao recurso da Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) contra decisão que a impedia de exigir a divulgação da remuneração de administradores e membros do conselho fiscal de companhias abertas.

Embora introduzida no ordenamento pela Instrução CVM nº 480, de 7 de dezembro de 2009, como uma tentativa de conferir maior transparência à gestão de companhias abertas, a obrigatoriedade de divulgação dessas informações estava suspensa desde 2 de março de 2010, quando da obtenção de liminar pelo Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças (“IBEF”).

De acordo com o IBEF, exigir a divulgação da remuneração dos membros da Diretoria, do Conselho de Administração e do Conselho Fiscal das companhias feriria “de morte as valiosas garantias constitucionais da proteção à intimidade, à privacidade e ao sigilo de dados, além de instaurar uma terrível insegurança para os indivíduos[1], afinal, ainda que não houvesse a indicação dos nomes dos executivos, não haveria nenhuma dificuldade em identificá-los. Reconhecida liminarmente pela Justiça Federal do Rio de Janeiro, a prevalência dos argumentos do IBEF foi ratificada em sentença exarada em 17 de maio de 2013.

Em recurso de apelação interposto pela CVM, postulou-se, em síntese, que:

  • a Instrução CVM nº 480 não violou qualquer dispositivo da Lei nº 6.404/76 (Lei das Sociedades Anônimas), inclusive (1) o artigo que define a competência da assembleia geral para determinar a remuneração dos administradores (art. 152); e (2) o artigo que impõe aos administradores o dever de informar todos os benefícios que auferem mediante pedido de acionistas que representem, ao menos, 5% (cinco por cento) do capital social da companhia (art. 157);
  • a divulgação de informações quanto à estrutura remuneratória das companhias abertas eleva o nível de transparência das informações fornecidas e está em consonância com patamares mínimos estabelecidos por organismos internacionais;
  • os direitos à privacidade e à intimidade não têm caráter absoluto, cedendo espaço em favor do interesse público;
  • a manutenção da decisão impediria a fiscalização da dinâmica de incentivos financeiros dados aos administradores das companhias abertas, sobretudo por parte dos acionistas minoritários; e
  • a Instrução CVM nº 480 resultou de uma adequada ponderação de interesses, tendo adotado uma solução intermediária e proporcional para exigir apenas a divulgação institucional dos valores máximo, médio e mínimo da remuneração atribuída a cada órgão social.

Os argumentos apresentados pela CVM em seu recurso de apelação foram reiterados pela Associação dos Investidores no Mercado de Capitais (AMEC), Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (APIMEC) e Associação CFA do Brasil – que ingressaram como amicus curiae no processo – e, em 23 de maio de 2018, depois de mais de 8 (oito) anos de impasse, foram acolhidos, por unanimidade, pelos desembargadores do TRF-2.

Após publicação da decisão do TRF-2, a CVM divulgou Ofício nº 4/2018 exigindo que, até 25 de junho de 2018, as companhias abertas apresentassem novas versões do formulário de referência, contendo, em consonância com o disposto no item 13.11 do Anexo 24 da Instrução CVM nº 480, tabela com (a) número de membros do conselho de administração, diretoria estatutária e conselho fiscal; e (b) valor da remuneração mínima, média e máxima para os membros de cada órgão, relativa aos 3 (três) últimos exercícios sociais.

Apesar de aparentemente acatada por praticamente a totalidade das companhias abertas, vale dizer que a decisão do TRF-2 ainda poderá ser reformada, caso a controvérsia seja levada para instâncias superiores[2]. Enquanto isso, a decisão vigente do TRF-2 parece indicar que a transparência quanto à remuneração de executivos tem papel relevante na governança corporativa de tais companhias, beneficiando seus investidores e o mercado em geral. O mesmo movimento também já fora previamente acolhido pelo Novo Mercado, cujo regulamento também já determinara a divulgação de tais informações em formulário de referência[3].

[1] Trecho de petição inicial de ação ordinária com pedido de tutela antecipada apresentada pelo IBEF, em 2 de março de 2010, perante a Justiça Federal do Rio de Janeiro. Para o instituto, ainda que a “Instrução CVM nº 480 não determine a indicação do nome desses administradores, não haverá nenhuma dificuldade em identificá-los, pois, em regra sem exceção, o diretor presidente e/ou o presidente do conselho de administração é aquele com a maior remuneração – e, não raras vezes, são pessoas notórias. No âmbito da companhia também não será difícil indicar qual a menor remuneração dentre os diretores, expondo e constrangendo o executivo”.

[2] Por ora, aguarda-se julgamento de embargos de declaração opostos pelo IBEF. Referido recurso, que será julgado pelo próprio TRF-2, foi recebido pela corte em 20 de junho de 2018, sem efeito suspensivo.

[3] Para verificar as principais alterações implementadas no regulamento do Novo Mercado, acessar o artigo “Mudanças no Novo Mercado Avançam e distanciam-no do Nível 2”, elaborado pelo PVG.

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