A divulgação de informações pelos emissores é um dos pilares fundamentais do mercado de capitais. Essa prática assegura a transparência, promove a confiança dos investidores e viabiliza a adequada formação de preços no mercado, ao mitigar assimetrias informacionais. Tamanha importância justifica um constante esforço de aprimoramento regulatório para assegurar que as regras. A previsibilidade e a clareza nas normas de divulgação são essenciais para garantir a equidade entre os investidores e a integridade do mercado, sobretudo em um ambiente marcado por decisões rápidas e fluxos intensos de informação, sendo especialmente relevante que os marcos normativos reflitam a realidade prática das companhias e dos investidores institucionais.
Neste contexto, a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) divulgou no dia 13 de maio de 2025 o edital da Consulta Pública SDM nº 01/25, por meio do qual submeteu à apreciação do mercado as minutas de norma que têm o intuito de revogar e substituir integralmente a Resolução CVM nº 44/21, que dispõe sobre a divulgação de informações sobre ato ou fato relevante (minuta nomeada na Consulta Pública SDM nº 01/25 como “Minuta A”), além de promover ajustes pontuais na Resolução CVM nº 80/22, a qual dispõe sobre o registro e a prestação de informações periódicas e eventuais dos emissores de valores mobiliários (por meio da denominada “Minuta B”). O objetivo central da proposta é modernizar o regime de divulgação de informações no mercado de capitais brasileiro, aumentando a segurança jurídica para emissores, investidores e demais participantes.
Na Minuta A, a principal inovação proposta é a formalização do “Comunicado ao Mercado”, instituto já utilizado pelo mercado, mas até então sem previsão normativa. Propõe-se que o comunicado acomode informações relevantes ao público investidor que, embora importantes, não se enquadram nos critérios legais de “fato relevante”. A proposta oferece exemplos práticos de quando o comunicado deve ser utilizado (e.g. esclarecimentos em resposta a consultas formuladas pela CVM ou por entidades administradoras de mercados organizados de valores mobiliários, materiais utilizados em reuniões com analistas de valores mobiliários, entre outros) e estabelece critérios objetivos para orientar os diretores de Relações com Investidores na escolha do canal mais adequado. A medida busca evitar o uso excessivo ou indevido da categoria de fato relevante e aprimorar a comunicação entre companhias e o mercado.
Outro ponto relevante da Minuta A é a ampliação do prazo para comunicação de aquisição de participação relevante por investidores que não tenham o objetivo de alterar a composição do controle ou a estrutura administrativa da companhia. Atualmente, um investidor que atinge participação relevante no capital de um emissor deve reportar esse fato imediatamente, bem como, se aplicável, declarar seus objetivos em relação ao controle e à administração1. A proposta prevê então que, nos casos em que o investidor não possua intenção de influir no controle ou na estrutura administrativa da companhia, o prazo para comunicação seja estendido para até três dias úteis2. Caso haja intenção de influência, mantém-se a obrigação de comunicação imediata. Adicionalmente, é proposto um prazo de carência de três meses como intervalo mínimo entre uma declaração de ausência de intenção e sua eventual modificação3.
A proposta visa reduzir os custos regulatórios para investidores institucionais, bem como a dificuldade enfrentada por estes, que frequentemente atuam por meio de complexas estruturas de investimento – o que torna desafiadora a consolidação imediata das posições acionárias – e alinhá-los às práticas de outros mercados, sem comprometer a transparência de informações. A Minuta A também inova ao apresentar listas exemplificativas de condutas que indicam a intenção de alterar a composição do controle, bem como condutas que não geram tal presunção (art. 38, §§ 1º e 2º do Anexo A)4, sendo que as primeiras incluem práticas como o lançamento de OPA para aquisição de controle; a convocação de assembleia para deliberar sobre eleição ou destituição de administradores; o pedido de inclusão de propostas no boletim de voto à distância; a celebração ou a adesão de acordo de acionistas que disponha sobre eleição e destituição de administradores ou sobre o exercício do poder de controle; entre outros.
A proposta de nova norma também atualiza o conceito de “pessoas agindo em conjunto5”, atualmente previsto no Art. 12 da Resolução CVM nº 44/21, de forma a harmonizá-lo com a definição trazida pela Resolução CVM nº 215/24, que trata das Ofertas Públicas de Ações e elenca hipóteses em que há presunção de ação em conjunto ou no mínimo representando o mesmo interesse. Com isso, almeja-se conferir maior previsibilidade normativa e facilitar o cumprimento das obrigações pelos investidores.
A proposta apresenta ainda uma reorganização estrutural da norma, com a divisão do texto em capítulos e seções, além da incorporação de entendimentos já consolidados pela Superintendência de Relações com Empresas (“SEP”), como aqueles relativos ao cálculo de participações relevantes. Essa reformulação pretende tornar a norma mais acessível, clara e sistemática, atendendo aos objetivos de melhoria regulatória previstos na Agenda Regulatória da CVM para 2025.
Paralelamente, a Minuta B propõe ajustes específicos na Resolução CVM nº 80/22, que trata da divulgação de informações pelas companhias. A alteração principal consiste em permitir que atas de reuniões de órgãos deliberativos, que aprovem a emissão de valores mobiliários, sejam divulgadas não mais imediatamente após as reuniões, mas apenas após a confirmação da viabilidade da operação, evitando assim a divulgação prematura de informações sensíveis e ainda incertas. Tal ponto já fora discutido na Consulta Pública SDM n.º 02/246, quando sugerida pelos participantes a alteração do marco inicial de contagem do prazo, sob a justificativa de evitar o risco de impacto decorrente da divulgação de uma operação que ainda pudesse ser considerada inviável pelo emissor – por exemplo, em razão de o processo de bookbuilding ainda não ter sido realizado. À época, a sugestão não foi acolhida em razão da necessidade de alteração prévia da Resolução CVM nº 44/21, para evitar incongruências entre os normativos. Com a nova proposta, que não reproduz as disposições que geravam tal incompatibilidade, a CVM voltou a submeter o tema à consulta pública, propondo permitir o envio das atas apenas após a apuração da viabilidade da oferta e a decisão definitiva sobre sua realização preservando a estratégia do agente do mercado.
A proposta recebeu algumas críticas relevantes do mercado. Um dos pontos levantados é o risco de que listas exemplificativas de práticas dos agentes, mesmo quando não taxativas, sejam interpretadas como exaustivas e mandatórias, levando-os a seguir rigidamente os exemplos por receio de sanção. Outra crítica relevante diz respeito à extensão do prazo de comunicação para até três dias úteis: ainda que razoável para investidores institucionais em empresas de grande porte, pode gerar assimetria informacional em companhias de menor liquidez (small caps), em cujo contexto movimentações pontuais de capital acionário causam volatilidade expressiva. Nesses casos, defende-se a imposição de salvaguardas, como vedação ao exercício de direitos políticos pelos acionistas nesse período e transparência adicional no caso de reavaliação da intenção. Por fim, questiona-se se a extensão de prazo não pode ser prejudicial em determinados casos, pois pode ser de interesse do mercado saber imediatamente acerca do aumento de participação acionária também em determinados cenários que não envolvam mudança de composição do controle, principalmente em companhias de capital pulverizado.
Diante do exposto, os efeitos das minutas propostas na Consulta Pública SDM nº 01/25 – cujo prazo foi prorrogado até o dia 18 de julho de 2025, tendem a ser positivos, especialmente por promover maior clareza normativa, harmonização conceitual e adequação às práticas já consolidadas no mercado. No entanto, a real efetividade dessas alterações somente poderá ser aferida após a aprovação da versão final da norma, devidamente apreciados pela CVM os comentários dos participantes do mercado, e mediante sua aplicação concreta.
1. Resolução CVM nº 44/21, Art. 12.
2. Minuta A, Art. 39.
3. Minuta A, Art. 40.
4. Minuta A, Anexo A, Art. 38 § 1º: São exemplos de ações indicativas do objetivo de alterar a composição do controle ou a estrutura administrativa do emissor: I – o lançamento de OPA para aquisição de controle; II – a convocação de assembleia para deliberar sobre reestruturações societárias, especialmente as que envolvam operações de fusão, cisão, incorporação, incorporação de ações ou aquisição de ativos ou do controle de outra sociedade; III – a convocação de assembleia para deliberar sobre a remoção de cláusulas estatutárias que limitem aquisições de ações acima de determinado patamar ou sobre a dispensa de tais limitações em benefício próprio ou de terceiro; IV – a convocação de assembleia para deliberar sobre eleição, destituição ou propositura de ação de responsabilidade envolvendo administradores;§ 2º Sem prejuízo da análise dos elementos de cada caso, não se presume o objetivo de alterar a composição do controle ou a estrutura administrativa do emissor em função exclusivamente de o investidor: I – aderir a OPA lançada por terceiro ao qual não seja vinculado; II – exercer seu direito de voto, desde que submetidas a deliberação em assembleia convocada por terceiro ao qual não seja vinculado; III – promover medidas judiciais, arbitrais ou administrativas em decorrência de possíveis irregularidades cometidas pelo emissor, por seus administradores ou por seus acionistas controladores; IV – tomar qualquer medida admitida na legislação e na regulamentação voltada a promover a instalação do conselho fiscal e a eleição de seus membros; e V – tomar qualquer medida admitida na legislação e na regulamentação voltada a promover a instalação de comitê de auditoria ou de outros comitês cujas atribuições estejam relacionadas à observância de normas (compliance) ou ao aprimoramento da governança corporativa do emissor. § 3º As medidas de que tratam os incisos IV e V do § 2º abrangem, dentre outras, a convocação de assembleia para deliberar sobre a instalação ou criação do órgão, a inclusão no boletim de voto a distância de candidatos a integrar o respectivo órgão e o exercício do direito de voto na deliberação sobre a matéria em assembleia.
5. Minuta A, Art. 8º: Para os efeitos desta Resolução, entende-se por pessoa vinculada a pessoa natural ou jurídica, fundo ou universalidade de direitos que atue em conjunto ou representando o mesmo interesse de outra pessoa, grupo de pessoas, fundo ou universalidade de direitos, observado o § 1º; § 1º Presume-se agindo em conjunto ou representando o mesmo interesse de outra pessoa, natural ou jurídica, grupo de pessoas, fundo ou universalidade de direitos: I – seu cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou colateral até o 2º grau; II – seu controlador, direto ou indireto, ou quem seja por ela controlado ou esteja com ela submetido a controle comum; III – quem tenha adquirido, ainda que sob condição suspensiva, o seu controle ou o do emissor, ou seja promitente comprador ou detentor de opção de compra do controle acionário do emissor, ou intermediário em negócio de transferência daquele controle; IV – o gestor de recursos em relação aos fundos de investimento por ele geridos nos quais exerça administração discricionária da carteira; e V – o inventariante, administrador judicial ou equivalente, em relação à universalidade de direitos. § 2º As presunções de que trata o § 1º são relativas e devem ser analisadas em conjunto com outros elementos que indiquem se os investidores, de fato, agem em conjunto ou representam o mesmo interesse.
6. Consulta Pública SDM 02/2024.