Situações de impasse entre sócios em sociedades 50%-50%

De acordo com o “Painel Mapa de Empresas” disponibilizado pelo Governo Federal em 26 de maio de 2021[1], há mais de 4 milhões sociedades limitadas e anônimas ativas no Brasil. Diante do grande volume de empresas e considerando os desafios que elas enfrentam, é inevitável que, em algum momento, ocorram conflitos entre os sócios por variados temas.

Esses conflitos atingem de maneira especialmente desafiadora as sociedades em que apenas dois sócios (ou dois grupos de sócios) possuem a totalidade do capital social votante, igualmente distribuído entre eles (i.e., 50%-50%). Isso porque, nesses casos, é esperado um intuito cooperativo entre os sócios e deve existir um sentimento de confiança mútua entre eles (affectio societatis). Além disso, não há a presença do chamado princípio majoritário. Ou seja, essa configuração pressupõe o consenso entre os sócios a todo momento, em qualquer deliberação, aumentando o risco da continuidade da sociedade em bons termos no longo prazo.

Dessa forma, foi preciso que a prática societária encontrasse mecanismos que pudessem mitigar esse efeito dentro da sociedade e seu reflexo no cumprimento do fim social. Uma possibilidade conceituada pela doutrina e posteriormente positivada na Lei nº 6.404/76 (“Lei das S.A.”), foi a de firmar acordos apartados entre os sócios, os chamados acordos parassociais, com o objetivo de regular seu relacionamento, tal como o acordo de acionistas, disciplinado no artigo 118 da referida lei.

Tal instrumento pode tratar de praticamente qualquer direito disponível dos acionistas, inclusive apresentar cláusulas de resolução de impasse, isto é, uma previsão de procedimento de tratamento de uma situação de conflito entre acionistas. Esse tipo de cláusula constitui segurança para os sócios e uma proteção a seus direitos, pois faz que se estabeleça procedimento para endereçar eventuais discordâncias que ocorram entre eles, especialmente porque não há na legislação nacional diretrizes para solução deste tipo de conflito.

Tratando especificamente das cláusulas de resolução de impasse, estas podem adotar diversos formatos, como: (a) submissão da matéria controvertida à mediação, para que um terceiro estranho à relação se coloque com a intenção de fazer que os sócios entrem em acordo; (b) submissão da controvérsia à arbitragem, em que árbitros especialistas na matéria possam decidir sobre o assunto controvertido; (c) saída de um dos sócios com previsão de cálculo de preço a ser pago pelas ações, resolvendo a relação societária a partir de termos pré-definidos; e, até, (d) venda da sociedade a terceiro, por preço mutuamente acordado entre os sócios.

Uma das maiores dificuldades no que diz respeito à cláusula de impasse é justamente conseguir configurá-lo. Não raro, quando há uma quebra de affectio societatis, isso se dá no âmbito do relacionamento dos sócios no dia-a-dia, e nem sempre apenas por uma deliberação específica no âmbito da assembleia geral da sociedade.

No entanto, dado que as cláusulas de impasse podem levar ao término da sociedade entre esses sócios, optar por redações muito amplas e etéreas para configurar um impasse não gera segurança às partes, que, portanto, costumam optar por redações mais diretas e claras (e.g., matérias bastante específicas pré-determinadas que não sejam aprovadas em assembleia de sócios por duas vezes seguidas), mas que por muitas vezes terminam por não capturar todas as possibilidades do esgarçamento do relacionamento entre os sócios no âmbito da sociedade.

Outro desafio comum é definir, no âmbito de um impasse que tenha de ser resolvido mediante a aquisição, por um dos sócios, da participação do outro, como se dará a definição de qual sócio deve ficar e qual deve sair da sociedade por meio desse mecanismo, dado que ambos têm participações iguais entre si. Noutros casos, quando há claramente um majoritário e um minoritário, esse tipo de definição costuma ser de muito mais fácil arquitetura no acordo.

Ainda em decorrência disso, também é comum nesse tipo de caso ser desafiador o encontro de uma fórmula justa de avaliação da participação, para que não sejam criados incentivos perversos aos sócios que tornem tentadora a possibilidade de exercer uma opção de compra ou uma opção de venda (put ou call option), conforme o caso, de maneira oportunista.

Observando o direito comparado, encontramos exemplos de cláusulas que visam solucionar situações como essas, tal como as shotgun clauses, sendo as mais comuns aquelas denominadas Russian roulette e Texas shoot-out.

A Russian roulette prevê que um sócio deve enviar ao outro uma proposta de compra da totalidade de suas quotas, devendo o sócio ofertado decidir por aceitar a proposta ou adquirir as quotas do sócio ofertante pelas mesmas condições. Na Texas shoot-out, os sócios trocam envelopes fechados contendo propostas para a aquisição da participação um do outro, de modo que, aquele que apresentar a maior proposta, deverá exercer a compra da participação da parte contrária.

Naturalmente, não será sempre que essas cláusulas serão a melhor saída para a solução de impasse, dado que os mecanismos devem ser arquitetados de maneira a ajustar-se às especificidades do caso prático e dos seus sócios. Características como um sócio ser estratégico ou apenas financeiro, nacional ou estrangeiro, certamente alteram o equilíbrio e o desejo dos envolvidos de como solucionar eventuais impasses.

De todo modo, as cláusulas de acordo de acionistas têm sempre de gerar bons incentivos às partes para que se comportem de maneira ética e contributiva, fazendo jus às intenções associativas que tiveram quando da formação da sociedade entre si. Muito mais do que cláusulas para serem objeto de gatilho por oportunismo, as cláusulas de um acordo parassocial têm de servir de incentivos para que os sócios negociem de boa-fé entre si os acordos e saídas para os respectivos impasses, ou, se de fato acionadas e exercidas, gerar sensação de clareza, previsibilidade e justiça entre os sócios envolvidos.

 

[1] https://www.gov.br/governodigital/pt-br/mapa-de-empresas/painel-mapa-de-empresas

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